

Wuldson Marcelo
É corintiano apaixonado por literatura e cinema. Possui mestrado em Estudos de Cultura Contemporânea e graduação em Filosofia (ambos pela UFMT). É autor dos livros de contos “Subterfúgios urbanos” (2013, Editora Multifoco: RJ), “Obscuro-shi: contos e desencontros em qualquer cidade” (2016, Carlini e Caniato: MT) e do infanto-juvenil “As luzes que atravessam o pomar e outros contos” (2018, Carlini e Caniato: MT). Escreveu e dirigiu os curtas-metragens “Se acaso a tempestade fosse nossa amiga, eu me casaria com você” (2015) e “A garota que existiu dentro de um mistério” (em pós-produção). É editor da revista virtual Ruído Manifesto.
TODOS QUEREM A CABEÇA DO COMPADRE MATIAS REIS
1. Gritos de horror
Hotel Paraíso. Três e trinta e oito da tarde. “Compadre” Matias Reis está no saguão. Vicente “Cara-de-Cão” Lopes sai do elevador em direção à porta giratória. Matias Reis alveja o agiota e seus dois seguranças. Tiros certeiros, cabeças e peitos atingidos com precisão. Três contraventores a menos, dirá amanhã o repórter do programa policial. Matias Reis em disparada pela metrópole cinzenta. No saguão do hotel, gritos de medo ecoam pela tarde manchada de sangue. Matias Reis, já sereno, guia seu automóvel com perícia sobrenatural.
2. Sinal fechado
Cena 1 - Externa - Tarde de um dia da semana na metrópole cinzenta - Trânsito (sinal vermelho).
Matias Reis em seu automóvel manuseia um CD (rosto transparece paz de espírito).
Sinal verde. “Compadre” Matias Reis avança pela avenida. Uma bala calibre 38 estraçalha o vidro do seu automóvel. O Civic encontra o poste pela frente. Um corte superficial no supercílio do olho esquerdo. O atirador oculto dispara novamente. A bala penetra no ombro esquerdo de uma moça loira que passava. A transeunte despenca no chão enquanto Matias Reis escapa por uma Pet Shop. Ileso e confuso. “Querem me matar? O Dr. Palácios vai ter que me proteger.”
Fade Out.
3. Descoberta insólita, mas previsível
Matias Reis telefona para Helena Cruz, a intermediária.
- Helena querem me apagar. Eu completei o serviço. Eliminei o delator. Aquele não canta mais. Na saída, um puto tentou me matar.
- Eu sei.
- Sabe? Como?
- Foi o Dr. Palácios.
- Como assim? O chefe quer me matar? O que? Queima de arquivo?
- Sim. Você matou o homem que sabia os segredos do Dr. Palácios antes que ele pudesse fechar o acordo com a polícia, certo? Então, o seu principal assassino passa a ser agora o seu principal problema.
- Por que está me contando isso? Por que me ajudar?
- Ajudar? Não! Somente estou avisando. Morrer ignorando a causa da morte deve ser como morrer igual a um animal sendo abatido sem defesa. Não me procure!
4. Morte por encomenda
Matias procura a ex-esposa. Fica sabendo que não terá auxílio. Ela o odeia. Tem suas razões. Viviane era uma mulher voluptuosa, que agora coleciona amarguras e raiva. Matias Reis casou-se com ela para desfilar uma morena de olhos castanhos claros e seios fartos. Nos outros momentos da união conjugal, mostrou-se infiel e violento. Matias Reis tenta dialogar. Não há acordo. Ela somente recomenda-lhe cuidado. Viviane contratou um assassino profissional para exterminá-lo. Joga-lhe a confissão no rosto, com coragem, apesar de temer o matador com o qual compartilhou alguns anos da vida. O sangue de Matias ferve. O revólver chega a ser tateado. Mas, ele se contém, porém esbofeteia Viviane. Matias parte planejando voltar logo para acertar as contas. A mulher fica sentada no chão, esboça um sorriso, pensa que está é a última vez que o desgraçado a toca.
5. Jornada de sangue
Dr. Palácios mandou matar Tião Bicho-Grilo. O tal Tião era o melhor amigo de Matias Reis. Esse tal Bicho-Grilo agia como se fosse um samurai hippie ou um hippie samurai. Aquele tal Tião era mortífero. Morreu almoçando, antes do assassinato do agiota Vicente “Cara-de-Cão” Lopes. O executor de Tião Bicho-Grilo apagou também a filhinha deste sem piedade ou remorso. Serviço, afinal, é serviço. Não tem aparência ou história. Luana, a filhinha do samurai hippie, era afilhada de Matias Reis. O mortífero Tião foi morto almoçando com a filha. O Dr. Palácios sabia que assim que “Bicho Grilo” soubesse da ordem de execução sumária contra Matias viria à procura dele para acertar as contas. Amizade é amizade. Vingança foi o desejo do “Compadre” assim que soube dos assassinatos.
6. Notícias de Jornal
“Um dia violento na metrópole”.
“Quinze assassinatos registrados pela polícia”.
“Crimes bárbaros aterrorizam os cidadãos de bem”.
“A criminalidade é a vergonha nacional”.
“ONU denuncia a ineficiência da prevenção à violência no Brasil”.
“Morreu hoje o temido agiota e notório sanguinário ‘Cara-de-Cão’”.
7. Um a menos
No bar da avenida central, Matias Reis encontra o matador de aluguel que está a serviço de Viviane. O sujeito é amador. Dá várias indicações que o segue e vigia. Observa Matias de muito perto e um copo de uísque na mão, que quase não bebe. Quando percebido pelo seu alvo, tenta disfarçar. Mas já é tarde. “Compadre” vai ao banheiro, o assassino profissional o segue, ainda sem nenhum cuidado. Matias entra e se esconde de imediato atrás da porta. O homem aparece em seguida e Matias, após uma luta rápida, mata-o com o seu próprio revólver. Um ceifador de vidas a menos. Depois resolvo a traição de Viviane, pensa o especialista em enviar existências para o inferno.
8. A morte ingênua de um suposto matador tarimbado
Como Matias planeja a vingança das mortes de seu melhor e único amigo e de sua doce e querida afilhada Luana? Ele não tem nenhum plano, somente o desejo. Na sua mansão, o Dr. Palácios é inacessível. Ele possui quarenta e sete capangas e um sistema de segurança impenetrável. Invadir é pedir para morrer. Não tem como driblar os alarmes e câmeras instaladas pela residência. Então, Matias decide por aquilo que mais abomina, a delação. Vai à delegacia procurar o Vieira, o ícone da justiça legal e da intolerância à corrupção. Ao entrar Matias pergunta pelo delegado, se identifica e é detido com truculência, o que o deixa com vários hematomas. Algo que seu corpo desconhece desde que aprendeu a puxar um gatilho. O delegado Vieira chega para abrandar a situação. Vieira é um modelo de força moral, um incorruptível agente da lei. Propina para ele é como um hóspede indesejado, deixou ficar se instala para sempre. O depoimento de Matias é tenso. Ele confessa seu crime no Hotel Paraíso. Dr. Palácios vai cair, o matador tem certeza. O “Compadre” será testemunha no processo contra o maior mafioso da metrópole cinzenta. O delegado Vieira sugere que Matias entre em contato com um advogado. O escrivão saí para buscar um telefone. Vieira chama dois policiais que levam Matias, que resiste apesar da incompreensão, para uma cela onde havia um único detento, que recebe um estilete de um dos homens da lei. O prisioneiro começa uma discussão com Matias, diz que é do conhecimento de todos que ele, Juarez “Mil Moedinhas”, mantinha um caso com Tião Bicho-Grilo e que esse lunático do Tião é mesmo um pederasta. Matias dá um soco no homem e o preso revida com uma perfuração no estômago do “Compadre” e, em seguida, com outra no pescoço. O Vieira sempre soube proteger o seu compadre Palácios. Em menos de dois minutos, Matias Reis está morto. Um danado a menos nesse mundo.
9. Notícia de jornal
“A polícia em uma operação muito bem executada prendeu de madrugada o matador do Hotel Paraíso. Porém, na cela, em uma discussão com um dos presos, o assassino Matias Reis, conhecido pela alcunha de ‘Compadre’, foi esfaqueado e faleceu minutos depois na enfermaria do 38º Distrito Policial. O delegado Altemar Vieira, responsável pela prisão, lamenta a fatalidade”.
10. Sorrisos
No dia seguinte, Dr. Palácios bebe vinho francês com amigos políticos e alguns fazendeiros. Viviane respira aliviada, porque pode viver agora uma existência que não está em suspense por causa do medo. Helena Cruz é a única pessoa que comparece ao enterro de Matias Reis. Ela considera a morte fascinante. Helena julga que Matias Reis não morreu como um animal, pois, decerto, no instante em que o estilete penetrou em sua carne, tudo ficou claro para ele.