Walnice Vilalva
Doutora em Teoria e História Literária pela UNICAMP (2004), Pós-doutorado pela Universidade de São Paulo. É professora adjunta da Universidade do Estado de Mato Grosso. Atuou como coordenadora do Programa de Pós-graduação em Estudos Literários-PPGEL, gestão 2009-2013. É editora do Suplemento Literário Nódoa no Brim e da Revista Alĕre- Revista do Programa de Pós-graduação em Estudos Literários; e coordenadora do Núcleo Wlademir Dias-Pino. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura Brasileira, Teoria Literária, atuando principalmente nos seguintes temas: memória e identidades literárias.
A PERIFERIA NÃO PARA
Acabei de ler “Furagem”, de Divanize Carbonieri, agarrada pela palavra-carne, sucumbida pela linguagem que explode como estampido, carregando força e maciez, como que de punho fechado e olhos bem abertos. Mal me recomponho, sou levada a percorrer a antologia apresentada pela Pixé, duplamente exigente e generosa, organizada por pesquisadores da Universidade de São Paulo, ao lançar-se à procura pela arte que não está à parte de nossa época, tampouco é uma nostalgia do passado.
A antologia pensada como “rito” é mais que uma homenagem, alguns poderiam achar um sacrilégio, uma violação: desaloja-se o centro, perspectiva-se a periferia. Se não bastasse a atitude, as vozes que ganham palco, periafricania, trazem pela poética da periferia, as Identidades diversas, o avesso do eu, apontando um sistema em contínuo e complexo movimento: a periferia não para. A arte da periferia é incansável e irredutível, diante de realidades “irrefutáveis”, profundamente históricas e ideológicas. Há mais que um esforço por realidades heterogêneas, pois eis que a arte da periferia carrega a visão pluralista da história, corrente de contra-discurso.
Palavra de Mulher Preta
Mulher preta de palavra
Preta de palavra
Palavra de Preta
Lava alma preta
Palavra sagrada de mulher
Se a minha alma é preta
E a minha sociedade não me aceita
Minha palavra sagrada sangra
A harmonia, na descoberta da ambiguidade, o tom ora eloquente, ora de conversa afiada, traz o caráter eminentemente popular, de movimentos culturais, da rua; a efervescência da linguagem se realiza pelo verso compacto, o apelo ao efeito estético da voz (“Na voz no furor”), a transestilização da voz, que transita entre o dizer (imperativo) e o canto (melódico) A palavra empenhada carrega a intensidade de sua raiz oral, polifônica, plurissonora.
eu tenho uma língua solta
que não me deixa esquecer
que cada palavra minha
é resquício da colonização
Na partilha do verso, nas dobras da prosa, o espetáculo da convergência, de uma pluralidade que se quer polêmica, um atentado, um grito: periafricania, “Não tenha medo em dizer que tu é Preto Não tenha espanto em dizer que tu é Branco, Não seja omisso em dizer que tu é Índio (...)”
A linguagem é o homem e que somos feitos de palavras, ditas e não ditas, já dizia Octávio Paz; nesta antologia da periferia, algumas palavras carregam o efeito da ironia diante de “banalidades históricas”; noutras, são atrozes, como que respondendo a uma violência impingida.
Eis a Pixé! O maior projeto de difusão da literatura brasileira em Mato Grosso.
Grandiosa ao alargar as fronteiras, ao aproximar a arte contemporânea. Magnífica. Pixé é arte.