Anna Maria Ribeiro Costa
É doutora em História pela UFPE e Professora do Univag. Chegou às terras do povo indígena Nambiquara na Primavera de 1982. Dos índios recebeu o nome Alusu, por conta de seus hábitos alimentares. Nessas terras, conheceu José Eduardo, com quem tem dois filhos: Theo e Loyuá. Vem se dedicando aos estudos sobre os povos indígenas de Mato Grosso, com especial atenção ao Nambiquara.
TETÉSU, A JARARAQUINHA-DORMIDEIRA
No tempo de antigamente, as gentes do povo Nambiquara não conheciam o sono. Não dormiam de jeito nenhum. Dia e noite acordados. Crianças, jovens, adultos, velhos. Homens. Mulheres. Sempre acordados. Curiosos, foram visitar a jararaquinha-dormideira do cerrado, a dona do sono, para ensinar como dormir.
Não quiseram entrar na casa de Tetésu, a jararaquinha-dormideira e, do lado de fora, gritaram muitas vezes seu nome, até que acordasse. A algazarra interrompeu o sono da serpente que, ao contrário de suas peçonhentas primas jararaca e jararacuçu, era tão dócil. Ainda sonolenta, saiu de sua casa para ver o que estava acontecendo.
Os homens explicaram à jararaquinha-peçonhenta que gostariam de conhecer o sono. Queriam dormir como ela. Queriam sonhar. A serpente prontamente se dispôs a ensinar seu segredo. Antes, a jararaquinha-dormideira do cerrado alertou os homens que ao dormirem, sonhariam. E que sonhos contam história boas e tristes. Assim mesmo, não desistiram. Queriam aprender a dormir para sonhar.
Em uma panelinha de barro acinzentado, Tetésu cozinhou sementes de urucum, até virar uma pasta bem cheirosa. Depois misturou cera. Aquela poção mágica faria o povo Nambiquara dormir. Aconselhou os homens a não passarem a pasta amarelada durante o caminho de volta, porque poderiam dormir antes de chegar à aldeia.
Desconfiados, obedeceram. Na aldeia mostraram a todo mundo o presente da jararaquinha-dormideira e esperaram à noite chegar para passar ao redor dos olhos. Aquela noite foi silenciosa. Nada se ouviu. Com os olhos besuntados dormiram. Sonharam. E nunca mais esqueceram de Tetésu por conta da remela nos olhos, ao acordar, lembrando da pasta mágica da amiga serpente.