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Tatiana Alves 
Transgride em poemas, comete delitos literários em contos, crônicas e ensaios e viaja em livros infantis. Rabisca na Revista Samizdat e no site Escritoras Suicidas, já tendo rascunhado nos sites Anjos de Prata, Cronópios e Germina Literatura. Possui trinta e dois livros publicados. É Doutora em Letras e leciona Língua Portuguesa e Literatura no CEFET/RJ.

TECELàDO TEMPO

Minha avó foi daquelas meninas tiradas do colégio para aprender costura. No seu tempo, julgavam mais importante ser uma moça prendada e capaz de realizar os afazeres domésticos do que avançar no conhecimento acadêmico. E ela, ótima desenhista e apaixonada por Ciências, teve de adormecer suas paixões para se dedicar aos bordados, às receitas e à criação das filhas.


Estas, beneficiadas pelas conquistas do movimento feminista, tiveram mais opções, como as de cursar uma faculdade e trabalhar fora. Aprenderam as artes e artifícios da mãe artesã, embora cada uma tivesse herdado apenas um de seus talentos e nem o tivesse desenvolvido tanto assim.


Nós, as netas, na linhagem feminina que marcou a minha família, avançamos ainda mais no processo de independência a que a sociedade assistiu. Entretanto, nada me trazia mais magia do que, em criança, abrir a caixa de retalhos da minha avó e me deparar com aqueles pedaços de tecidos, sobras não utilizadas nas roupas por ela orgulhosamente costuradas ao longo dos anos. 


À medida que meus dedinhos avançavam de forma sensorial por aquela caixa, também eu ia, mentalmente, costurando as memórias da minha avó. A cada retalho, uma história contada: a dos vestidos dos bailes das filhas, a camisolinha do batizado de cada uma delas, o cueiro bordado nas laterais, o vestido de casamento, ou, mais recente, o do usado por ela nas Bodas de Ouro.


Eu nunca quis aprender a costurar e, particularmente, achava todas as tarefas domésticas cansativas e entediantes. Aprendi somente a pregar botão, algo que o tempo e o descaso me fizeram esquecer. Hoje percebo que isso nada mais era do que uma tentativa inconsciente de negar as atribuições sempre relacionadas às mulheres e a vida imposta à minha avó. Mas o baú de costura, com os retalhos ali guardados, seguia me fascinando.


Quando minha avó partiu, a única coisa que quis pra mim foi a caixa de costura, desejo que despertou espanto entre meus familiares, conhecedores de minha inaptidão manual. O que desconheciam, contudo, era que aquela caixa era quase uma máquina do tempo, capaz de me transportar ao momento em que minha avó a punha no colo, ocasião em que as histórias começavam a ser narradas.


Outro objeto que me despertava fascínio era a velha máquina de costura – a máquina, não o ofício. Era quase um fetiche. Preta, de metal, pesada, mas com uma roda lateral cujo movimento me remetia à velha roca em cujo fuso a Princesa Aurora, vítima de uma maldição, se feriria, ficando adormecida por cem anos à espera do Príncipe que a despertaria. Acabei ficando com ela também.


Hoje, ao olhar a máquina desativada após tantos anos e que disputa espaço com a estante dos livros de contos de fadas que despertaram um lado romântico e sonhador que nem minha essência feminista foi capaz de aplacar, percebo que minhas filhas, talvez movidas pela onda vintage da moda, sejam talvez capazes de resgatar essa habilidade e possam costurar, com fantasia e prazer, roupinhas para as bonecas de suas filhas, se elas as tiverem.


Na velha máquina – que jamais aprendi a usar, mas que ainda enfeita, renitente, aquele canto do meu quarto –, meu imaginário segue cerzindo lembranças e pespontando memórias. De vez em quando, até bordo sonhos. Melancólica tecelã do tempo, só perco a linha quando a saudade aperta. 

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