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Stéfanie Sande
É escritora e doutoranda em escrita criativa na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).

PIXÉ – Há 5 anos, na entrevista que você concedeu juntamente com Matheus Barreto, uma das suas respostas chamou atenção. Perguntada sobre a relação entre sua idade e a inovação estética, você respondeu que queria apenas aprender a escrever bem. Ou seja: a questão da experiência nova não era o foco central do seu trabalho naquele momento. Perguntamos hoje: o que significa escrever bem? O que é essencial em uma narrativa contemporânea?

STÉFANIE SANDE – É difícil dizer de forma categórica o que significa escrever bem e, mais ainda, o que é essencial em uma narrativa contemporânea. Há uma infinidade de escritores e cada um tem uma resposta diferente. O essencial depende do objetivo. No meu caso, a resposta de cinco anos atrás não mudou muito: meu foco central não é ― e acho difícil que algum dia venha a ser ― a inovação estética. O que eu quero ao escrever é contar uma boa história, no sentido de ser uma narrativa que envolva o leitor no universo ficcional em questão. Muitas vezes, usei o termo “prosa invisível” para descrever o que eu almejo, porque meu maior desejo é que o leitor, ao pegar um livro meu, tenha a impressão de vivenciar a trama. Ou seja, meu empenho é em desenvolver uma prosa que não chame atenção para si mesma. Isso não significa que eu não experimente com a forma, até porque o interessante do fazer literário é também a descoberta das possibilidades narrativas. Por exemplo: em “Virgínia”, meu romance mais recente, não tive dúvidas sobre a meta da “prosa invisível”, mas mesmo assim, é uma narrativa não-linear com um momento onde há troca de narradores. Isso é um experimento estético. De qualquer forma, o meu essencial é entreter. Aqui, cito Donna Tartt, uma das autoras que mais me influenciaram nos últimos dois anos (autora de “A história secreta” e o vencedor do Pulitzer de 2014, “O pintassilgo”). Em uma entrevista de 2002, ela disse: “O primeiro dever do romancista é entreter. É um dever moral. As pessoas que leem seus livros estão doentes, tristes, viajando, em salas de espera do hospital enquanto alguém morre. Livros são escritos pelos solitários para os solitários”. Acho que isso resume o que penso sobre o assunto.

 

PIXÉ - Seu segundo romance nos traz o intrincado relacionamento lésbico, com base num fato real. No anterior, a vida de Manoel de Barros estava em cena. A estilização do biográfico é uma tendência da sua escrita? A base  fática demanda uma nova forma de lidar com a memória, num tempo futuro. Como você lida com a verossimilhança? É uma exigência? É apenas um marcador?

STÉFANIE SANDE – Acho muito curioso considerarem a história baseada num fato real ― ou até mesmo que eu, Stéfanie, seja a narradora ― quando, na verdade, é uma história de ficção que apenas é ambientada no nosso tempo ― especificamente, no começo da pandemia em 2020. Acho natural ― ou até inevitável ― usar da experiência pessoal para construir narrativas de ficção. Mas, no final do dia, elas são justamente isso: ficção. No meu primeiro romance (“O último verso”), a mesma dinâmica ocorreu com a vida de um poeta que eu gosto e admiro, mas Edmundo não é Manoel de Barros. É apenas o Edmundo. Assim como eu, Stéfanie, não sou a Ariel, a verdadeira narradora de “Virgínia”. São seres ficcionais que criei. Considero esse comentário da “estilização do biográfico” como um sinal de que a verossimilhança está funcionando, mas não é um objetivo, muito menos uma preocupação. Minha preocupação é somente uma: contar uma boa história. Nada mais.

 

PIXÉ – Como autora é estudiosa de literatura, você consegue perceber uma forma estética diferenciada na mulher? Isto é: a mulher raciocina o enredo de uma história de uma forma diferente do homem? Ou a questão está centrada na eleição dos temas e eventuais abordagens? O mesmo podemos questionar quanto à literatura de autores negros, gays, trans. Há características composicionais que variam com o gênero, raça etc. Ou as grandes diferenças ainda são nacionais? Como classificar literatura produzida no contemporâneo?

STÉFANIE SANDE – Pensei muito sobre como abordar essa questão e cheguei a conclusão de que  não tenho como respondê-la. O que posso dizer é: meu mestrado e doutorado (ainda em andamento) são em escrita criativa, ambos com foco em estrutura narrativa, mais especificamente a jornada da heroína. Para responder estas perguntas, precisaria de um estudo aprofundado do que está se produzindo em literatura contemporânea, tanto no nacional, quanto no internacional. Acho que são pontos importantes de reflexão que merecem cuidado e embasamento ao serem discutidos.

 

PIXÉ – Avança o romance de entretenimento? O que é isso? Uma literatura voltada para a aventura, quase adolescente, onde Reis, duendes e fadas existem. Por outro lado, as gôndolas das livrarias estão cheias de livros de autoajuda e religiosos. O que está acontecendo? Uma negação da literatura? Uma recusa em se entregar ao drama humano? Ou o público leitor se cansou de tanta realidade na literatura brasileira?

STÉFANIE SANDE – É bastante estranha essa separação de romance de entretenimento do romance “sério”, principalmente se considerarmos a origem do romance e como, em seu princípio, era considerado “literatura menor”, da mesma forma que a literatura de gênero (“quase adolescente, onde reis, duendes e fadas existem”) ainda é estigmatizada hoje. Fantasia, ficção científica ou qualquer outra categoria da tal dita literatura de entretenimento não deixa de lidar com dramas humanos. Não percebo, muito menos entre os jovens, uma negação da literatura, mas sim uma ampliação e diversificação do que é literatura.

 

PIXÉ – A crítica do século XX sempre classificou a literatura por aproximação com o cânone. Ora se alinhando, ora rechaçando, o pensamento crítico partia da produção de autores que circulavam pelo centro-sul. Hoje, os estudos literários com seus diversos caminhos de análise relativizaram quem e o quê sublinhar. No entanto, a pergunta é: todo texto é importante? Todo texto merece análise? É possível extrair algo de bom de um texto ruim? A qualidade da literatura varia arbitrariamente com o objetivo do crítico? Na sua opinião, ainda há espaço para estruturar, classificar e apresentar ao público obras consideradas literariamente “melhores”?

STÉFANIE SANDE – Vejo que muito dessa divisão ocorre com dois árbitros: as premiações e os leitores. As premiações (Nobel, Pulitzer, Jabuti, Oceanos, Camões, etc) escolhem as obras “sérias” e o público escolhe o entretenimento, que vemos nas listas de mais lidos (o que também é subjetivo e muito discutível) ou passando no boca-a-boca (e aqui incluo as redes sociais). Sinceramente, o que me interessa é o pacto com o leitor. Escritor de carreira escreve para ser lido. E, para além disso, existem outros tipos de escrita (a escrita terapêutica, por exemplo). Se isso vai fazer alguma diferença ao longo dos anos, é uma preocupação que, enquanto escritora, não me interessa mais. Se a obra é boa e se, mesmo com qualidade questionável, me tocou ou fez refletir de alguma forma, então já valeu a pena. Todo mundo tem alguma coisa para ensinar e, se tivermos inteligência e humildade, sempre vamos ter algo a aprender. Depois disso, sigo para a próxima obra, seja enquanto leitora, seja enquanto escritora.

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