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Shara Lopes 
Nasceu em Valença do Piauí (1991). É doutora em linguística (UNICAMP) e professora de língua portuguesa (IFPI - campus Picos). Teve seus textos não-acadêmicos publicados em revistas, jornais, blogs e antologias poéticas, como: portal Geleia Total; revistas La Loba, Torquato, Rua, Mar de Lá, PsiPolis; antologias Uma mulherzinha não, um mulherão (Toma aí um poema), Prêmio Off Flip 2022: poesia, dentre outros. Traduziu poemas da escritora sul-africana Finuala Dowling, publicados pelo jornal RelevO.

TESTAMENTO
(para João e Pedro)


o deus desconhecido grego ou paulino
ninguém ousou conjecturar que
é na verdade deusa:
indesejada das gentes
único mal irremediável
momento não-instantâneo de ausência
sobre a qual não se pode mais atuar ou pensar
passagem para o além sobre-humano, divino
totalidade

quero isto (se puder querer), quando já estiver sob domínio da dita deusa:

que usem minha carne, meu sangue e minhas vísceras para fôlego de vida alheia
que digam a quem deixei que deixei aqui porque quis e porque quiseram comigo
que tatuem Caeiro, o do campo, e Salomão, o velho, em meus vestígios minerais
que deem o que juntei na terra a quem mais precisa

e que digam, então:

que vivi felicidade e dor, mas mais felicidade que dor
que a mesa estava posta
que sempre amei viajar e por isso a morte não me assustou
que o eu, lugar de enunciação, só fará sentido em presença da verdade
que não há maior verdade que gerar vida e verbo
que mulher, mãe da vida e da força de trabalho, também merece a chance de
encontrar-se com sua mãe, defini-la e reconhecê-la

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