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Samuel Lima 
É Doutor em Estudos literários. Professor colaborador do PPGEL/UNEMAT. É pesquisador do grupo “Estudos de Literatura: memória e identidade cultural” (CNPq). Pós-doutorando em Estudos Literários (2019-atual) pela Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT, com pesquisa sobre subalternidade e homoerotismo literários. Contato: samuel.lima@unemat.br

HÁ CORPO PARA TUDO?

A dimensão erógena do corpo parece encontrar, na literatura, um ponto de presentificação que redimensiona os (não)wwwdizeres da própria palavra. O corpo (des)encontrado, realocado, estruturado sob a égide do desejo. A fronteira que deflagra a iminência desses corpos desconhece medidas, num estilhaçamento de sua própria narração, isto é, de uma fragmentação que engendra diversas perspectivas no decorrer de uma história. Corpos fronteiriços, inominados, representados arquetipicamente pela ossatura do prazer, do verbo obsceno-encantatório. Precisamente nessa conjuntura, a ideia de corpo e literatura parece construir algo que ainda escapa aos olhos do leitor, redimensionando, de forma opaca, a epiderme de sua própria gênese. De maneira ampla, o corpo surge na literatura como elemento (ainda) inacabado de manifestação do sujeito frente ao que o cerca, condena, cambiando uma estreita relação entre o sublime e o terreno, o inóspito e o conhecido. Se na Grécia antiga havia a obsessão pelo corpo ágil, veloz, no cenário contemporâneo, por sua vez, há o delineio de um corpo fragmentado, plasmado em curvas, silhuetas e imageticamente compreensível. A literatura, com suas particularidades, condiciona esses elementos seculares de modo a elaborar um painel subversivo do que vem a ser a literariedade do corpo, da pele e da imagem do indivíduo.
A erótica-literária surge nesse contexto para (re)afirmar não apenas a dissidência do corpo, mas a crucialidade dos desvios. É, portanto, estritamente nesse termo (desvio) que se operam as combinações entre desejo, sexualidade e sociedade. Há ou não corpo para tudo? Do escatológico ao elevado, do sugerido ao perversamente revelado, até onde se estende o horizonte dos corpos que se escondem? O desvio, aqui, é assimétrico, colateral, evidenciando a pluralidade do erotismo já como condição humana, conforme Bataille. Há, porém, nessa seara, o discurso amoroso, já aludido por Barthes, que torna a representação do corpo como baliza de sentimento, discussão paulatina do que pode ou não o sujeito amoroso vivenciar. Do escalpelado barthesiano ao libertino desregrado, da criança-desejo hilstiana à prostituta que anota em seu diário suas incursões pelo submundo da noite. Literatura como arte da carne, que move, desloca, faz pensar. As diretrizes para a representação artístico-literária do corpo, certamente, desconhecem medidas, havendo, somente, a repressão social que insiste na manutenção de um corpo gasto, ingênuo e condensado por regras. Aqui, faz-se pertinente o uso do termo transgressão, que funcionaliza uma ruptura com a tradição literária, bem como com a própria sociedade ocidental. Transgressão compreendida na erótica-literária como pedra de toque ao desconhecido, mais precisamente, ao corpo em vias de libertação. A violação, na literatura brasileira, vem cerceada pelo perigo, ou seja, pelo anseio em libertar o corpo das amarras históricas que o aprisionam. Na poesia, há o eu-lírico que desbrava o corpo do Outro, enquanto na prosa, há o narrador que sai da perspectiva do quarto, elevando o sexo à esfera pública, marginal. O olho do cu e a língua da vagina não figuram somente como catacreses sexuais, mas operam como discursos sensoriais do corpo, da pele, do que pode ou não o obsceno. Adormecido, subversivo, leproso, infantil, virgem, são todas categorias (das mínimas) para de se dizer o corpo na vastidão literária. Se há corpo para tudo? A literatura mostra que sim. No entanto, resta saber como usá-lo

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