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Rodrigo Ciríaco 
É educador, escritor e produtor cultural. Autor dos livros Te pego lá fora, 100 mágoas, Vendo Pó...esia e do infantil Menino Moleque Poeta Serelepe (em 2018). Tem trabalhos traduzidos em francês, inglês, espanhol e alemão. Participa há mais de 13 anos do movimento de saraus da periferia. Fundador do coletivo Mesquiteiros, coordena ainda os projetos Pedagogia dos Saraus, Biqueira Literária e Slam Rachão Poético –  Copa Mundão de Poesia.  

PE(R)DIDO

Bala perdida ou bala pedida? Na medida? Pedidos. Mas quem fez o pedido? Quem, todos os dias, ainda faz este pedido: Rio de Janeiro, quatorze tiroteios ao dia. Quatorze tiroteios por dia! Disparos a esmo na porta. Da escola, de casa, do bar. Na rua. Na quadra de jogar bola. Bala perdida? Já disseram: “não existe bala perdida se a mira é na favela”. Não existe bala perdida se a mira é na favela. E é tão sempre ela. É impressionante, o quanto a gente encontra. Perdida. Nos becos, morros e vielas. Quantas vidas perdidas? Quantos gritos? Quantas mães por chorar? Nunca se calar. Uma delas ainda diz: “ninguém cala a voz de uma mãe. Não é uma bala, um tiro que vai me calar”. Não vai calar. Não calar. Essa devia ser a única pedida. E não sangrar. Por mais uma. Bala perdida. Em corpos: pretos, pobres, pequenos. Do morro. Como se diz perdido algo que tem mira certa? Algo que não podemos gritar: socorro. Algo que tem destino certo. Endereço. Porque nunca chove pedidos de balas perdidas em bairros nobres? Copacabana, Leblon, Ipanema. Já imaginou, a cena? Alguém todos os dias, mirar: um revólver, uma pistola, um fuzil, para apartamentos e casas do mais caro metro quadrado do Brasil? O sangue escorrer na sala de jantar, no quarto de boneca da filha, na geladeira, fogão, o filho do asfalto tremendo pra se jogar esconder em baixo da mesa, como se corre, escorre no morro desde que foi ocupado? Não, isso não é um pedido. Nem desejo. É uma constatação. Não existem balas perdidas. Todas tem endereço. Uma bala nunca é cuspida, ferro e fogo assim, a esmo. Ela vai certa: no peito, na testa. No centro do coração. Raras passam pelos pés, braços e mãos. Essas balas não estão perdidas. Pergunte a quem morre. A quem diante do caixão chora, faz oração. Elas sabem: tem o mesmo endereço. Mesmo CEP. Mesmo resultado: uma comunidade perdida. Emocionalmente doente. Sofrendo na tragédia e nos traumas. A gente sabe quem dispara. A gente sabe por que disparam. A gente sabe quem morre. A gente sabe quem mata. A gente só não sabe como parar. Deus, como parar? Já foram mil a minha esquerda, dez mil a minha direita. Ao contrário de tua promessa, sou continuamente atingido e fico a sangrar. Vamos achar? Distribuir? Lápis-caderno-chiclete-pião? Sol-bicicleta-skate. Menos caixão. Vamos espalhar balas? Menta, chocolate, iogurte e caramelo. Menos pedidos de balas perdidas e crianças caídas no chão? Mas não. É sempre a mesma pedida. BOPE, PM, Caveirão. Tráfico, troca, guerra às drogas. Polícia e ladrão. Sobe e dispara. Não importa se vê a cara. O rosto. Cospe com gosto. A mesma pedida. A cidade-maravilha. Com endereço certo. Pro choro. Pra vela. Pra estatística na matéria.

POLÍTICA

Estou farto da política comedida
Da política bem comportada
Da política partidária institucional com livro de ponto expediente
         protocolo e manifestações de apreço à v. excelência
Estou farto da política que para e vai resolver problemas privados
   esquecendo-se do Público

Abaixo os individualistas

Todas as intervenções sobretudo as poéticas-terroristas
Todas as manifestações sobretudo as sinceras do coração
Todos os protestos sobretudo sobre o impossível

Estou farto da política de gabinetes
Paralítica
Raquítica
Pseudo Cansada
De toda política que capitula ao que quer que seja para proveito
          de si mesmo

De resto não é política
Será corrupção tabela de mensaleiros secretária amante
      do tesoureiro exemplar morto para não falar demais
      obras superfaturadas e desvio de verba, etc.

Quero antes a política dos loucos
A política dos revolucionários
A política pungente e difícil dos revolucionários
A política dos poemas de Bertolt Brecht

–Não quero mais saber da política que não é libertação!
 

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