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Renato Medeiros
Artista visual e pesquisador em arte contemporânea. É Doutor em Artes Visuais pela Universidade de Brasília (UnB), jornalista cultural e membro fundador do LABIRINTO, espaço dedicado à pesquisa, criação artística e formação em artes, localizado em Cuiabá-MT. Em 2021, foi premiado em 1º lugar no Salão Jovem Arte MT, na categoria Pintura.

SOBREVIVER À PASSAGEM DO TEMPO E OUTROS FEITOS
HEROICOS NA FOTOGRAFIA DE SEBASTIAN MAGNANI

Dos heróis gregos aos super-heróis da Marvel, muitas batalhas foram travadas e muitas outras identidades foram criadas, mas são os feitos notáveis que seguem ganhando as atenções da plateia. Ninguém espera ver como narrativa central do próximo filme da DC Comics um Batman, devidamente mascarado, que protagonize ações banais, como tomar milkshake em uma lanchonete ou correr apressado em direção a um banheiro público. Ninguém espera ver um Batman vivendo uma vida mais ou menos ordinária no intervalo entre uma glória e outra, longe das cenas de ação.
Esse é justamente o compromisso que o fotógrafo Sebastian Magnani parece ter assumido na série Daily Bat, algo como ‘morcego diário’, em tradução livre. Por meio da fotografia ficcional, Magnani também conta histórias do homem-morcego, mas prefere posicioná-lo em contextos instagramáveis de lazer, de trânsito ou ainda de ociosidade. Tudo isso sob luzes e cores espetaculares, afastando ainda mais o herói de sua habitual atmosfera sombria. Mais exposto do que nunca, o Batman de Magnani flerta com a fotografia publicitária, em imagens de muito equilíbrio e nitidez, talvez herança da trajetória do artista como profissional criativo de uma agência de publicidade na Suíça, onde reside.
O que parece permanecer, entretanto, é o estado de solitude que caracteriza a personalidade do homem-morcego. Esse é o componente derradeiro que torna possível estabelecer aqui uma relação de proximidade entre essas imagens e as obras de outro artista, o norte-americano Edward Hopper. Em suas pinturas, Hopper soube criar imagens da solidão urbana, cheias de silêncio e melancolia, mas quase sempre com um toque de glamour. Apesar da aparente apatia de seus heróis e heroínas do anonimato, as escolhas cromáticas de Hopper são igualmente exuberantes, brilhando nas imagens mesmo quando o contexto sugere uma cena noturna.
Provavelmente a obra mais conhecida de Hopper seja Nighthawks, de 1942 (apenas três anos afastam essa obra da primeira aparição do Batman de Bob Kane, em 1939). Na pintura, três personagens estão sentadas ao redor do balcão de um restaurante, o único estabelecimento aberto à noite em uma rua completamente vazia. Quem vê de fora, enxerga o interior do restaurante pela enorme vidraça que praticamente circunda o lugar. Ali, próximo ao ponto central da imagem, a figura de um homem apresenta-se de costas ao observador, curvado sobre o balcão. A solidão desse homem é quase tão transparente quanto a vidraça que nos permite enxergá-lo, lembrando assim a atitude do Batman que toma milkshake, na fotografia de Magnani.
Referências não faltam: a simetria das composições visuais, a saturação das cores em pontos determinados das imagens, os efeitos de luminosidade sobre os assuntos representados ou ainda a melancolia de personagens solitárias vivendo um dia sem glória. A partir dessa breve associação entre os trabalhos dos dois artistas, talvez uma última conjectura seja possível: na maior parte do tempo, um Batman que é gente como a gente não está no campo de batalha, mas sim vivendo dias e noites triviais, como as figuras de Hopper. Talvez à espera de que alguma coisa aconteça.
Na guerra do dia a dia, somos os heróis e heroínas de nossas narrativas pessoais, com momentos pontuais de glória e uma imensidão de esperas e práticas ordinárias. São justamente elas que nos acompanham por mais tempo ao longo da jornada. As fotografias de Sebastian Magnani estão aí também para nos lembrar daquela gloriosa capacidade dos heróis e heroínas, com ou sem máscaras (ou filtros), em sobreviverem cotidianamente à passagem do tempo.

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