Raquel Naveira
É escritora, professora universitária, crítica literária, Mestre em Comunicação e Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo, autora de vários livros de poemas, ensaios, romance e infanto-juvenis. Pertence à Academia Sul-Mato-Grossense de Letras (onde exerce atualmente o cargo de vice-presidente) e ao PEN Clube do Brasil.
ALMA E LAMA
Quando foi que a lama se transformou em alma?
Era tudo brejo,
Terra agitada,
Fermentada
E plástica,
Solo palpitando de bolhas,
De larvas,
De insetos,
Rabinhos com olhos de feto
E vieram o sopro,
O ar nos pulmões,
A vida pelo sangue,
Pelo fígado,
Pela medula e ossos,
Pulsando quente
Como chama.
Quando foi que a alma se transformou em lama?
Era tudo espírito,
Energia,
Fio de prata,
Palavras e gestos,
Imagens que brotavam
Do intelecto,
De uma fonte de amor
Luminosa e intacta
E vieram os desejos,
As paixões,
As trevas,
A ausência de sombra
E a alma rolou no lodo,
Vagando
Como um fantasma.
Corpo nu,
Contaminado,
Enterrado na lama,
Tumor que lateja
Coberto de lesmas,
Lêndeas
E gosmas;
De repente, as águas da chuva
Lavam o corpo
E da boca
Sai uma borboleta.
Lama e alma,
Apenas uma asa,
Uma letra.