Raquel Almeida
É poeta, escritora, arte – educadora, editora do selo Elo da Corrente Edições e produtora cultural. Fundadora do Coletivo literário Elo da Corrente, grupo que atua no bairro de Pirituba desde 2007 no movimento de literatura periférica/negra, realizando um sarau mensal e mantendo uma biblioteca comunitária no bar onde realiza o sarau. Iniciou seu trabalho artístico em 2005 cantando no grupo de rap Alerta ao Sistema e atuou na rádio comunitária urbanos FM 2006/2007. Ministra oficinas de literatura e criação poética em escolas, centros culturais entre outros espaços. Obras individuais: Contos de Yõnu (Contos), 2019 Elo da Corrente Edições; Sagrado Sopro – do solo que renasço (Poesias), 2014 Elo da Corrente Edições; Duas Gerações Sobrevivendo no Gueto (contos, poesias e crônicas), 2008, co-autora Soninha Mazo – Elo da Corrente Edições.
CORPA
Eu tenho um corpo
Que transpassa as vias da emancipação
Tenho um corpo, que transpassa
As vias da emancipação
Tenho um corpo aceso
Um corpo estereotipado
Queimado num sol seletivo
Um corpo quente, suado, forjado pra guerra
Tenho marcas de um açoite contemporâneo
Corpo bronze
Estampado nas prisões
Tenho um sangue coagulado
Convertido em lavas que correm no meu corpo vulcão
Corpo sem lugar fazendo-se de escudo e templo
Tenho um corpo estigmatizado
Subestimado
Largado em praças, sem casa, sendo caça
Corpo sem trabalho, sem boa aparência
Fazendo-se de lugar e templo
Tenho um corpo que transpassa as vias da emancipação
Um corpo...
Subjugado a nada
Somente um corpo que cabe nas brecha da conveniência
Cabível nas estatísticas
Um corpo MIXcigenado
Preto no que me cabe
E entregue aos conflitos do mundo.
EM RUA
as bordas que nos trombamos
É nas ruas
Os sonhos gingados em mar e concreto
Nóis na rua
Tá no corre e corre no coração
A rua
Espreita de sentinela
Ela rua
Nos da a chave
Abre os caminhos
Da permissão
Não passe aqui
Embace ali
Lacrimeja almejando solução
Rua
Num labirinto que cerca minha trilha
A mais estreita é saída
a mais larga
Alarga em chumbo e folião
Nas ruas abertas aos montes
Nos becos esconde
alegria e solidão.
ERA PRA SER CANÇÃO
Nos rendemos ao comum
Nos laços do nós
Esticamos os lençóis
E voltamos a lugar nenhum
Entoando canto dos perdidos
Descompassado, empurrado
Estando só contigo
O desejo de estar do outro lado
Sou a sua música marcada
Que meu tom não alcança
E minha voz nunca cabe
Sou o olhar distante nas manhãs
Se perguntando pra onde corro?
Esperando um socorro, um abrigo, um escape
Sou seus dedos dedilhando perdidos
num violão descolado que nem som sai mais
Sou essa dor localizada
e a vontade frustrada de um momento de paz.
MORADA DE OYÁ
Carrego comigo traços
de uma mãe que tempera o meu coração
Ela me liberta, me abraça
e passa ao meu lado nos olhos do furacão
incendeia, faz o corpo sentir sua presença
puro fogo que arde e ninguém vê
Me eleva aos céus, sendo a brisa mais leve
ela também me aquece quando faz chover
Relampeia na precisão
Altiva guerreia
É a senhora que me sustenta
Do amor a fúria
Sua beleza ostenta
A natureza se movimenta para lhe saudar
Em meus caminhos hélice
Tudo se confunde e tudo se funde
Em seu redemoinho é que se da coesão
Tudo se dividiu e nada se perdeu
Rainha do meu mundo
Seu templo sou eu.