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Rafael Morais
Nascido e criado em Itiquira - MT, graduando em Psicologia pela UFMT e apaixonado pelo poder transgressor e transformador das estéticas. Meio poeta, meio filósofo, procura sempre explorar as infinitas possibilidades do inacabado por meio da constante metamorfose da arte. Entusiasta da escrita, da música e do cinema, também se arrisca no teatro e na dança. Acredita no poder das colaborações e no encontro das alteridades. 

FERA-POETA, ENJAULADA PELAS PRISÕES SOCIAIS DE UM CIDADE DO INTERIOR

dentro de mim existe uma fera
presa numa jaula
aguardando para ser libertada
de sua prisão monocromática
quadrática, matemática, racional
tal fera compõe canções
tecendo cada verso como se fosse o último
dentro de sua prisão
borda cada traço de suas obras
usa como passatempo o tricotar palavras
para amenizar o fardo da privação de liberdade
vez em quando, acha uma fresta de luz
que entra pela garganta usada para cantar
agarra-se nela e usa-a como cobertor
aconchega-se em dores de um amor já partido
acolhe-se num suéter de melancolia
ali, esquecida, expande-se em meu peito
transcendendo os limites de sua prisão
sussurra em meu ouvido esquerdo
do lado do coração
sussurra amores lembrados de outras épocas
amores que já foram e outros que hão de ser
sussurra dores inexprimíveis
daquelas que não existe palavra para descrever
a fera grita alegrias e esperanças
vislumbres de liberdade e solitude
poema poesias já esquecidas
e há tempos não sentidas
traça um rosto triste numa folha em branco
intitula sua obra anônima: ao mundo e a mim
certa vez, a fera sussurrou-me uma ode de vidas passadas
esqueci-me desta
mas ainda sinto seu gosto vermelho em minha boca
a fera inspira-me em seus momentos de liberdade
entristeço-me em seus momentos de prisão
desejando libertar-lhe de seus grilhões imaginários
mas a fera prende-se por vontade própria
e liberta-se como no desabrochar de uma flor noturna
sinto em minha linha destínica um ponto-clímax
um momento em que a fera se libertará definitivamente
a prisão imaginária se tornará material
só para ser quebrada por minhas mãos
meu universo fluídico
será expelido pelas pontas de meus dedos vasculares
extravasarei a fera
libertarei poesias tão lindas quanto um erro
escritas na prisão, e guardadas por tanto tempo
que já envelhecidas, emocionarão o novo
minha linha vital finalizará sua transição
a fera se exteriorizará em mim
serei fera
e não mais voltarei ao estado de carcerário
desse tão admirável ser
ser que sou
serei fera, e fera morrerei.

© 2019 - Revista Literária Pixé.

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