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Olga Maria Castrillon-Mendes 
É professora do Curso de Letras da Universidade do Estado de Mato Grosso/UNEMAT, dos Programas de Mestrado Profissional em Linguagem/PROFLETRAS e Colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários/PPGEL/UNEMAT. É Sócia Efetiva do Instituto Histórico e Geográfico de Cáceres e da Academia Mato-Grossense de Letras; Líder do Grupo de Pesquisa “Questões históricas e compreensão da literatura brasileira” (CNPq/UNEMAT/2002). Integra os Grupos: RG Dicke de Estudos em Cultura e Literatura de Mato Grosso (CNPq/UFMT). É autora de Taunay viajante: construção imagética de Mato Grosso (Cuiabá: EdUFMT, 2013) e Discurso de constituição da fronteira (www.unemat.br/publicações/e-book, 2017), além de artigos em periódicos e coletâneas nacionais e internacionais.

ENTRE MULTIFACETADOS TRAÇOS DE JORGE CERQUEIRA

N a representação do agora, muitas vezes inacessível, a multilinguagem da Revista Pixé democratiza a leitura e amplia o estado criativo das particularidades do espírito, “próximo a um transe”, como fala Edgar Morin. Assim, a beleza da vida está, necessariamente, no constante exercício desse estado especial, cujo universo é capaz de provocar transformações e atitudes de resistência.  


É passar os olhos pelas páginas da Revista e se obrigar a paradas estratégicas em cada uma delas, ou porque estão prenhes de sentido, ou porque incomodam pelos traços e cores. Penso com isso sobre a necessidade de se emocionar para aprender. Penso, também, no atual momento de efervescência literária e cultural em Mato Grosso. Nesses entremeios de expressão artística, os traços de Jorge Cerqueira o colocam no centro das reflexões da Pixé deste mês. O designer inovador que capta o leitor comum, jovem principalmente, costuma deixar por algum tempo o sabor da paçoquinha cuiabana que, acertadamente, nomeia a Revista. 


Qual é, portanto, no âmago dessa proposta, o desafio que a arte de Jorge Cerqueira propõe? 


Inicialmente, construir um pacto do leitor com a imagem e a palavra, subjacente na (re)educação do olhar, lançando-o em variadas direções e desafios. Eu diria que o estilo eclético do artista leva ao primitivismo polinésico de Paul Gauguin, mas sinto certo predomínio da influência cubista da primeira fase de Picasso, sobretudo se revejo as máscaras africanas de Les demoiselles d’Avignon. Os marcantes traços da tradição popular, presentes, na nossa formação artística, estão nas figuras em movimento de braços estendidos, rostos disformes, cujos rabiscos se aproximam da arte das xilogravuras dos livretos de cordel, pois construídos nas fissuras proporcionadas pelo jogo de composição manual aliado ao prazer estético, compondo formas de resistência na monotonia do cotidiano. 
Aqui, talvez esteja uma das maiores contribuições da arte contemporânea: traduzir a tradição como fala Ángel Rama, num constante vir-a-ser marcado pelos borrões em meio ao colorido geral da tela. Imprecisos, os traços são frutos do estado de religação com o outro que nos identifica, ou não. Em maior ou menor proporção, as representações do mundo de Jorge Cerqueira carregam esses vestígios da tradição artística, como numa espécie de revisão dos conflitos sociais, ainda hoje tão presentes.   


A multiplicidade de tendências e fórmulas que compõem o repertório cultural do artista nos leva para além do prazer da contemplação. Atinge o prazer questionador que retira da zona de conforto e da naturalização da arte. Mais importante que o sentido é o “estado poético” que prende e afasta, perturba e flui. 


Da forte expressão artística a mistura de sensações e emoções é característica do contemporâneo. Representação do estranho e impreciso mundo interior no qual o homem se vê preso por tênues linhas de expressão da própria vida, portanto, desnivelada, (des)focada, liquefeita em simbólicos e impactantes fulcros densamente marcados pelas espirais, linhas e pontos negros.


A arte, assim, é necessária porque o homem se torna capaz de conhecer e mudar o mundo, mas ela também é necessária em virtude da magia que lhe é inerente. Transformação e magia entram no universo do observador como dois ingredientes intrínsecos à natureza humana que, atingindo os sentidos, demove às reações muitas vezes inusitadas. Desse jogo brota a relação entre visão e pensamento, portanto, problematizadora dos espaços entre o visível/invisível e os sentidos.


Nesses acordos que são representações temporárias e passageiras, Jorge Cerqueira enlaça o leitor de Pixé no abraço festivo da linguagem como componente da própria força subterrânea que mais aponta do que comunica. A imagem é encenada, teatralizada como significante, afastando o observador dos sentidos cristalizantes, numa permanente disposição para o novo e para as ambiguidades do ser. 

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