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Olga Maria Castrillon-Mendes 
É professora e pesquisadora da literatura brasileira. Autora de Taunay viajante: construção imagética de Mato Grosso (Cuiabá: EdUFMT; Cáceres: EdUNEMAT, 2013); Discurso de constituição da fronteira de Mato Grosso www.unemat.br/editora, 2017 e Matogrossismo: questionamentos em percursos identitários (Carlini & Caniato, 2020).

“DOIS E DOIS SÃO CINCO”:
AMARGOS FUTUROS IDEALIZADOS

Georg Orwell, no livro 1984 (1949) criou uma cruel metáfora literária ao ficcionalizar o totalitarismo e seus desdobramentos, em tempos de pós-guerras: a mentira tomada como verdade e a obediência, sem questionar, a fim de tudo possa funcionar sem tropeços. O escritor não só tangencia o controle da realidade física, mas alinha os seres humanos num processo de percepções e afetos controlados. Em tempos ditatoriais dos anos 1932, Aldoux Huxley representava um futuro distópico no seu Admirável mundo novo. Em realidades tão funcionais, teriam essas histórias a intenção de representar um futuro distópico ou prever o futuro?! Pode-se imaginar/projetar o futuro? O quanto a tecnologia impacta os recortes sociais, a história e as relações humanas?!
Transformações significativas, tanto oriundas das guerras quanto dos endurecidos regimes, ocasionaram procedimentos variados na arte ao longo da história. Com isso, surgem novas formas de produzir e consumir arte e pensar mundos supostamente perfeitos, de prazeres abundantes e totalmente manipulados. Hoje, a tecnologia é mais uma protagonista dessa história cultural e projeta-se no futuro, o que faz com que os artistas, a mídia, as indústrias e todo mercado específico veja o futuro como um cenário a que poucos estão preparados. O vazio das relações, a vigilância constante, o temor desmedido, são fatores de estrangulamento social. A mais sinistra entidade de Orwell chama-se Big brother; e a psicodélica “soma” é largamente consumida pelas personagens de Huxley para se ajustarem aos padrões comportamentais impostos pela tirania. Ambas as fabulações conversam facilmente com o leitor contemporâneo. Mu
itos artistas se utilizam da mesma metáfora para denunciar as desigualdades vividas pelo “admirável gado novo”.  
Em todos os tempos o ser humano social e criativo manifesta-se pelas variadas formas de arte e maneiras de pensar as mazelas sociais e o sofrimento humano. O futuro foi (é) uma incerteza. Não há como olhar para o organismo social sem pensar na arte como constituidora das transformações políticas, ambientais e históricas dos povos. Cada época carrega manifestações singulares que colocam o artista e o espectador nas complexas relações que sustentam o tecido social. A obra de arte, assim, imprime-se no imaginário coletivo e carrega memórias numa relação subjetiva de estímulo à compreensão das identidades. O contemporâneo está no trânsito entre a tradição herdada e a era digital, numa relação talvez mais democrática e abrangente de criação e difusão, envolvendo softwares, vetores e diversas ferramentas digitais, mas paradoxalmente, pouco acessíveis. 
Até que ponto a quebra de fronteiras e barreiras tecnológicas está a serviço da formação da sensibilidade e do senso crítico? O acúmulo de informações passadas apenas pelas telas impossibilita aprofundamentos. Como os educadores lidam com o novo formato sem deixar de lado a formação de atitudes? A tecnologia cria e manipula máquinas do admirável mundo novo, extremamente científico, mas com pouca ética e valores. Talvez seja o momento de atenção às massacrantes propagandas ideológicas e ao ódio aos livros e às flores. Resistir aos condicionamentos do dois e dois são cinco, ao prazer e à conformidade, à vida planejada por outrem, livres do entorpecimento. Embora, há quase um século, os escritores testemunhassem uma transformação social única e enfrentassem a distopia de mundos supostamente perfeitos, não imaginavam que, tão rapidamente, esses mundos se tornassem realidade. Assusta pensar que as distopias contemporâneas, a exemplo daquelas presentes nas narrativas de Eduardo Mahon, estejam próximas de outros nascimentos.  

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