Olga Maria Castrillon-Mendes
É professora e pesquisadora da literatura brasileira. Autora de Taunay viajante: construção imagética de Mato Grosso (Cuiabá: EdUFMT; Cáceres: EdUNEMAT, 2013); Discurso de constituição da fronteira de Mato Grosso www.unemat.br/editora, 2017 e Matogrossismo: questionamentos em percursos identitários (Carlini & Caniato, 2020).
QUANDO A LITERATURA DEIXA DE SER ARTE?!
O debate sobre o conceito de arte é amplo e de longa data. Depende da historicidade, das normas do momento, dos grupos de poder. Poder é atitude simbólica, portanto, invisível. Fundamenta os movimentos e a expressão. Não é sentido de imediato, mas mina o corpo social e as mentalidades. Muitos o exercem inconscientemente, levados pelas convenções e atitudes repetitivas da língua, da religião, das artes, que lhes servem de sustentação. É, portanto, uma força que dita a homogeneidade do conhecimento, o lugar simbólico de produção dos sentidos e das representações, reafirmando paradigmas e conceitos. Mais fortemente, é instrumento de dominação, servindo a interesses de grupos.
É possível compreender as manifestações artísticas e manter-se atento às armadilhas que encerram? Como manifestação humana, a arte literária, expressa pela palavra (ou pela oralidade) provém de uma necessidade humana, o que nos diferencia de outros animais. Utilizada de forma artística, a palavra ganha estatuto de arte ao mexer com as emoções. As imagens utilizadas simbolicamente adquirem expressões que acionam outras centenas de percepções. Como arte, a linguagem humana é parte da vida e um “direito humano”. Os artistas, intermediários do público, mobilizam olhares, criando pontos de vista para serem colocados frente à vivência de cada leitor. A matéria prima é a palavra centrada nela mesma, não como uma questão funcional, mas de fruição, com base no estatuto intrínseco a ela.
Se em algum momento a palavra usada como instrumento de expressão perde o seu valor estético é o grande (e grave) dilema do escritor. Somente ele, detentor do poder dizer/como dizer, pode alterar esse espaço humano de expressão. O atravessamento no conceito de arte é causador dos estigmas que separam os que podem/devem consumir, dos que não podem/devem consumir literatura ou arte. É uma questão de poder simbólico ditado por alguém ou por interesse de grupos.
Então, se a crítica adota o critério separador entre as diversas manifestações artísticas, cabe a ela se desvencilhar das amarras que mantém o povo alijado do direito/prazer de consumir arte. Afinal, a quem cabe julgamentos sobre o que deve ou não ser consumido? O que entra ou não no sistema de produção? A velha senhora, sentada no trono do que se entende por tradição e/ou modernidade, continua a ditar preceitos e indicar o index do que vai (ou não) para a fogueira. Talvez a pergunta esteja mais para uma afirmação de que a arte é um poder em si, livre de qualquer critério de determinação.