Olga Maria Castrillon-Mendes
É professora e pesquisadora da literatura brasileira. Autora de Taunay viajante: construção imagética de Mato Grosso (Cuiabá: EdUFMT; Cáceres: EdUNEMAT, 2013); Discurso de constituição da fronteira de Mato Grosso www.unemat.br/editora, 2017 e Matogrossismo: questionamentos em percursos identitários (Carlini & Caniato, 2020).
O REALISMO É UMA QUESTÃO DE CRÍTICA OU DE ESTÉTICA
Em sentido lato, o realismo sempre fez parte da arte ocidental. Na Renascença, a superação das limitações técnicas levou os artistas à representação da natureza com acuidade fotográfica. Na segunda metade do século XIX, a noção de realismo adquire novo estatuto devido às transformações sociais, o avanço tecnológico, principalmente através do aparecimento do estereoscópio, aparelho de “racionalização da visão”, ou a arte não como produto natural, mas resultado da atividade humana. A reincidência dos temas voltados à sociedade tal qual ela é, organiza o discurso realista e todo o problema do artista consistirá em manter uma coerência retórica, ou seja, uma rede de imagens representativa dessa realidade. O realismo estético tornou-se a arte do pensamento marxista e este, por sua vez, uma resolução metodológica realista do ser social, como fala Carlos Nelson Coutinho1.
Oscar Wilde, no ensaio A decadência da mentira, de 1889, ano da inauguração da Torre Eiffell, em Paris, analisa alguns axiomas em que discute a “mentira” na arte e na literatura, utilizando-a como estratégia de composição. O realismo da mimese aristotélica (a natureza como modelo), não é mais a ordem, mas compõe um ciclo, ou seja, ora é a arte que imita a vida, ora é esta que imita a arte. Ao mesmo tempo, Rodin recria esculturas em que os seres são fixados no momento do próprio gesto humano. Só é verdadeiro/real o que pode ser captado pela retina, o resto fica fora do domínio das artes.
Nesse movimento, as ciências sociais e humanas questionam a existência das coisas, uma vez que, captadas pela representação estética e um ponto de vista próprio, o olhar subjetivo é suplantado pela prática das imagens visuais que representam o mundo do observador. A visão e seus efeitos são sempre inseparáveis das possibilidades de um sujeito observador, é produto histórico e de certas práticas, técnicas, instituições e procedimentos de subjetivação. A realização do realismo estético expressa-se de forma contraditória e incompleta, em função dos limites histórico-ideológicos e, principalmente, do estado geral das lutas de classes. É, portanto, dialógico e objetivo. Deriva das contradições mundiais, principalmente, considerando a relação de produção literária com os processos de formação dos Estados nacionais. Por isso, as obras realistas não proliferam em tempos de aceitação do presente histórico. Estão mais para rebelião contra quaisquer formas de opressão e injustiças, cujos questionamentos servem para mobilizar e não acomodar.
1 Cf. Literatura e humanismo: ensaios de crítica marxista. Rio de Janeiro; Paz e terra, 1967.