Odair de Morais
(Ôda), cuiabano, autor de Contos Comprimidos (Multifoco, 2016) e do volume de haicais Instante Pictórico (Carlini & Caniato, 2017).
EMPREGADA
Fui lá ontem, cara. Criei coragem. De férias, burro. Tá todo mundo viajando. Sabia não? De noite ela não trabalha. Tá vindo só de vez em quando fazer faxina. Coloca água, dá ração pros cachorros e vai embora. Ela mesma me disse. Tava só ela na casa. Não acredita? Tava com uma blusa dessas de algodão, tipo camiseta masculina. Um pano bem fininho, saca? Roupa de usar em casa. Tipo dona de casa mesmo, mas bem sensual. Imaginei na hora o que eu faria se tivesse a chance de pôr a mão por baixo da blusa. Aqueles bicões salientes, de que cor seriam? Bem escuros, imagino, porque ela tem a pele morena, os cabelos cacheados. Putz!, cara. Encheria a mão naqueles peitos. Lamberia ela todinha. Vestia um shortinho curto, que deixava pra fora a metade da popa. E os pés então? Pequenininhos. E ela estava descalça. Caminhava na ponta dos pés, com medo de machucar o silêncio. Pra mim, o Ruíter manda ver nela. Sei lá, intuição. Cê não comeria? Baita de um mulherão daquele dando sopa. Entre quinze e dezoito, não sei ao certo a idade dela. Deve ser de maior pra trabalhar em casa de família. Tem razão. Talvez. Não aparenta mesmo. Tenho catorze, e daí? Quem se importa? Tô com o saco cheio de pelo, quer ver? Então não enche, pô. Continuo? Vê se não interrompe. Foi fácil pular o muro. Casa de cohab, tá ligado? É tudo igual. Muro baixinho. Do outro lado é que foi complicado. Do lado da casa do Ruíter tive que subir no pé de manga. Na sombra. Cheio de lodo. E chovendo ainda por cima. Você tinha que ver: me desequilibrei, caí do muro ralando no chapisco. Um baque seco. Em risco de quebrar uma costela. Como sabia que ela tava sozinha? Cumprimento de manhã, quando ela passa. Converso, quando tá varrendo as folhas na varanda. Um mês de butuca só manjando que horas que ela ia sair na porta. Peguei intimidade. Não. O cachorro fica só na frente da casa. No fundo é a lavanderia. Bati na porta da cozinha e ela veio. Me viu todo molhado. Nem surpresa ficou. Fosse moça séria, me mandava embora. Punha pra correr dali. Mas não. Nenhum gesto hostil ou sinal de reprovação. Foi lá dentro. Buscou uma toalha limpa, acredita? E ainda ajudou a me enxugar. Molhei todinho o chão da cozinha. Tira a camiseta, ela sugeriu. Fiquei envergonhado, cê não ficaria? Sou muito magro. Você que tem a mesma idade do que eu e ainda não teve intimidade com mulher, nem imagina o que eu senti. Mulher de verdade mesmo, porra, com peito e um bundão daquele que parece um cupim de nelore. Ofereceu um troço pra comer. Fui ver, era azeitona. Detesto azeitona. Ela ficou fazendo fita deitada no sofá da sala vendo sessão da tarde. Senta, ela disse. Bonita pra burro a casa do Ruíter por dentro, comentei. Ela concordou. Fiquei lá admirando a casa do Ruíter e tentando encontrar um jeito de puxar conversa. A coisa correu mais por conta dela do que por minha, confesso. Ainda sou muito ruim de papo. E acho que acabei encabulando ela com minha falta de assunto. Devo ter ficado uns quinze minutos, no máximo, pois vi o comercial umas três vezes consecutivas. Vou indo nessa, eu falei. Só pra testar. Pra minha surpresa, ela acabou concordando. Perguntou se eu ia voltar pelo mesmo caminho. Acha melhor?, perguntei. Depois de pensar um pouco, sugeriu que eu saísse pela porta da frente. Se alguém me visse? Não dá nada, ela me tranquilizou. Disse que a gente só tava conversando. Afinal de contas, não passou disso mesmo. Tem um cara que vem todo dia 6h pegar ela. Sempre de regata, cheio de tatuagens. Não sei, mas não coloco minha mão no fogo. Qualquer hora eu volto aí, falei ao passar pelo portão. Tá, ela respondeu. Entrando em casa a mãe perguntou aonde que eu tinha andado. Você ri, desgraça. Pra que eu ia mentir? Juro por minha mãe morta. Se tudo der certo, amanhã eu volto lá. De tarde. E dessa vez eu não vou conversar apenas. Cê duvida?