Odair de Morais
Nasceu em Cuiabá, em 1982. Formado em Letras e em Jornalismo pela UFMT, publicou até o presente momento Contos Comprimidos (Multifoco, 2016) e o volume de haicais Instante Pictórico (Carlini & Caniato, 2017). É poeta e escritor.
DESMANCHE S. A.
um silvo mecânico corta o ar em itálico
exorta
um pássaro à solta
no capô trincado de fuligem
silvestre cemitério citadino
o velho buggy atravessado no deserto da tarde
inútil e desalmado
a rural paraplégica
grasna
o abandono
reflete seu esplendor de rosas enferrujadas
oldsmobile
del rey
landau
tristes hóspedes em cumplicidade de asilo
os motores roem e remoem
a nostalgia de engrenagens que jamais
voltarão a funcionar
experimentam o exílio da mesma cor paralítica
a imobilidade que se estende
como um lençol
de áspera espera
e poeira
olhos marítimos no painel
e esperma no banco de couro
toca-fitas e ponteiros flácidos sonhando gangrenas
refletem estagnados na paisagem senil
o voo duma ave pelo céu puído da urbe decola um jingle
uma libélula
live in the jungle
a selva de corpos e ferragens feridas a absorver o tempo com distinção exala seus estertores
estéreis motores aposentados
vendo o noticiário em televisores preto e branco
repousam caducos
indefesos eunucos
a lataria estala
silêncio de cítaras
e pétalas de solidão drive-in
úberes que amamentaram a fantasia de moscas robustas espremidas com desvelo
no assento traseiro
o gondoleiro engasgado
no areal ao longe
à hora morta
evapora um último desejo isento de business
o arrebol cobre com ferrugem a música troante do ferro-velho
e a poesia metálica de estrelas gratuitas sobre enlatados retorcidos
em coro evoca o armagedon