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Lucinda Nogueira Persona

Escritora, poeta, professora e membro da Academia Mato-grossense de Letras. Nasceu em Arapongas, PR, e vive em Cuiabá, MT. Estreou na poesia em 1995 com o livro Por imenso gosto. Publicou, entre outros: Ser cotidiano (1998), Sopa escaldante (2001), Leito de Acaso (2004), Tempo comum (2009), Entre uma noite e outra (2014) e O passo do instante (2019).

O UNIVERSO REALISTA DE LUCIENE CARVALHO

É uma tarefa sempre grata contar um pouco daquilo que acontece no campo da palavra ou da palavra que toca a sensibilidade, principalmente quando as intervenções de apreciação se mostram escassas no meio literário. Em 2007, foi publicado um livro de contos, tão pequeno quanto uma gota de orvalho e, se por um lado, chamou e chama a atenção pela delgadíssima espessura (como pode ser tão fininho assim!), por outro lado, atrai pelo conteúdo vivo, denso, substancial. Um conteúdo carnoso e espesso como um caju de época.


Trata-se de Conta-Gotas (Cuiabá: Instituto Usina, 2007) de Luciene Carvalho. A escritora, com predominante produção poética, lança-se à prosa e empresta da poesia muito da vivacidade e alta temperatura. Valendo referir que em sua trajetória profissional soma-se a atuação como intérprete em vários recitais. Os dezessete contos de Luciene Carvalho relacionam-se a mulheres, todos eles. E as histórias se passam na cidade, com mulheres comuns que trabalham em casa, em repartições e até nas ruas. Mulheres que “pegam no pesado”, conforme aponta numa das narrativas. Criaturas viscerais, cuja importância maior é dada às “tempestades do sangue”.


Essa mulher urbana e anônima é desalojada de sua circunstância social e da crueza do comum por um curto momento (o do conto mínimo), para ser vista na exata vida que leva, nas condições desconfortáveis, nos sonhos, na carnalidade, nas decepções e nas transgressões. Para ser vista dentro e fora dos procedimentos padrões. Tudo isso confere à prosa da autora um forte clima de veracidade.


É fácil notar no conto que abre o livro, denominado “Vale transporte”, como uma dessas mulheres tem seu instante de júbilo dentro do ônibus que a leva ao trabalho – quando se insinua para o cobrador “da linha 508”. Esse conto, de vinte linhas apenas, com seu tom fictício, descortina uma concreta e viva realidade, feita de calor e sedução, ajustados à palavra. E é com justas palavras que surge outra personagem, mulher sem nome, agora de moto táxi, agarrada ao motoboy, sentindo de súbito a libido despertada na corrida inesperada através das ruas num dia de estresse.


O foco de interesse dos olhos vivazes da autora recai sobre essa mulher invisível que atravessa o mundo corriqueiro, diluída no dia-a-dia, em suas várias formas de trabalho, em suas exaustivas tarefas, assalariadas ou não, felizes ou não.


Outro conto que ganha força a cada frase é “Couve-manteiga”, cujo título bem poderia ser “a gota d´água”, considerando o nível de insatisfação e opressão da personagem subjugada, em meio ao caos doméstico, num dia limite em que viver passa da conta.
A escritora, ao mesmo tempo prática e espiritualizada, absorve e repassa o mundo feminino de modo dinâmico, espontâneo, ágil e bem-humorado, valendo-se de frases curtas e estruturas simples. Um trabalho literário sensível à constelação de mulheres amalgamadas na massa popular e humilde que preenche o cotidiano da cidade.


De fato, Luciene Carvalho, espírito inquieto de poeta, ficcionista, atriz, marcante presença cultural, imprime em sua produção muito de sua experiência enquanto mulher, consciente do mundo em que vive e fiel aos seus sonhos.

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