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Anna Maria Ribeiro Costa

É doutora em História pela UFPE e Professora do Univag. Chegou às terras do povo indígena Nambiquara na Primavera de 1982. Dos índios recebeu o nome Alusu, por conta de seus hábitos alimentares. Nessas terras, conheceu José Eduardo, com quem tem dois filhos: Theo e Loyuá. Vem se dedicando aos estudos sobre os povos indígenas de Mato Grosso, com especial atenção ao Nambiquara.

O FUMO DA CASA DAS ALMAS

Homens da etnia Nambiquara não ficam sem fumo, etsu, envolto em folha de samaneira, yokawisu. Fumam durante todo o dia, mas, longe da lida, principalmente da caça e da pesca. O descanso, a conversa, a prática de rituais são envolvidos pela fumaça e baforada de seus cigarros. 
O fumar quase sempre é interrompido. Raramente um cigarro é fumado de uma única vez. Ao apagarem o cigarro para ser usado mais tarde, guardam-no preso à braçadeira de fios de algodão ou fibra vegetal amarrada na altura do bíceps, para as próximas pitadas. O fumo, depois de cuidadosamente preparado, é armazenado em um recipiente de cabaça, vedado por uma rolha de sabugo de milho. Ainda que raro, não com a repetição amiudada dos homens, mulheres casadas e mais velhas fumam no espaço reservado de suas casas. 
É essencial que entre os vegetais cultivados nas roças haja muitos pés de fumo que, outrora, no tempo mítico, originou-se das lêndeas grudadas nos fios de cabelos do menino que se transmutou em plantas úteis e comestíveis. 
Para o Nambiquara, fumar nos rituais de cura colocam pajés em contato com espíritos ancestrais e da natureza – seres não humanos e extra-humanos, respectivamente. Seres humanos vinculados a uma forma específica de contato com os domínios da natureza e da sobrenatureza, na consubstanciação do fumo, uma planta xamânica, através do cigarro, aciona a fluidez do princípio vital do enfermo. Fumar também dá ao pajé poderes para afastar espectros de gentes mortas que precisam ir para a Casa da Almas, seu lugar.
O fumo, ainda que usado por todos os homens, é concebido como um dos elementos constituidores da pessoa do pajé. Creem que pajés têm capacidades de cruzar barreiras corporais e de enxergar seres não humanos, até mesmo, manter diálogos com eles. Não somente o fumo, mas a fumaça produzida por ele faz ver o invisível, faz espantar espíritos indesejáveis que importunam o cotidiano aldeão.
Na Casa da Almas, morada para onde vão as almas após a morte, tem quatro pés de fumo, de folhas avantajadas. Certa vez, em um tempo longínquo que não se pode contar, faltou fumo na aldeia. Um espírito, ao ver a tristeza do pajé por estar sem fumar, levou-o até à Casa das Almas. Lá chegando, abriu a porta com sua espada de madeira. Em seu interior, nada havia além de gentes bonitas e saudáveis. Não havia arcos, flechas, cabaças, cestos. Não havia comida. Havia fumo. Havia alegria

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