Nina Zur
É carioca, mestranda em teoria do direito, ética e construção da subjetividade (Puc Rio) e autora do livro A chance do corte (Editora Cozinha Experimental, 2018).
um ruído
que não manifesta
é o manifesto
mesmo
um ruído de fundo
um ruído que me encerra
e à tarde morro com prazer
eu sei
agora sou uma sobrevivente
da minha própria morte
e cravo em mim uma bandeira
terras ocupadas
até que me canse disso,
uma mulher sem rosto
apenas gesto
apenas urro
apenas coice
e cólicas a cada mês
tento caminhar por essas ruas
e só ando em círculos
mas tenho o conforto
da ausência total de fé
e amanhã
de jeito cético
levantarei com novas broncas.
alguém perguntou
não há fuga?
achei que respondia
é no desejo que ela se manifesta
deixei suspensa a pergunta
porque não havia
como nomear a resposta
mas sentia ter restado algo
como uma forma de escolher as verduras
uma raiva emputecida e breve do Brasil
um copo americano com dois dedos de cerveja
uma mensagem às 2h36 da madrugada que resolvi não apagar
essas coisas não se deve apagar
dá azar
escolho os piores momentos pra ter crises de riso
e ainda assim não me olham
algo me acontece
às vezes me sinto um dragão
(sem a parte do fogo)
quando acordo com a garganta seca é de desejo que falo,
e reclamo do ar condicionado
com algum grau de satisfação
não basta a chuva
não basta santa teresa
ou os domingos, corpos que se escondem
trêmulos
sob a falta de luz
não havia presença
ou fome
quando escuro não há nada além do escuro
e nossos olhos fechados
até que eu disse
metade da nina vai bem, obrigada
a outra metade comedida
e você riu
sabendo que eu mentia
que provavelmente volta e meia mentirei
isso acontece quando somos estranhos
e o estranhamento
é altamente anti comedido
saudar demônios é o que fazemos
é o que temos feito
sobrevivemos, então
somos nosso próprio fim sem fim
nosso próprio purgatório
e fingimos que a vida é mais que isso
entornando garrafas
pedindo que esse ano alguém nos salve
à porta dos bares
mesmo que tarde
mesmo que tarde demais
como um filme de tantos apocalipses,
a esperança e um tombo
antes dos créditos
produzir o apocalipse, dançar com satã no meio dele
só assim podemos chegar em casa
brincar com os gatos
ter sono
ontem o vento arrancou árvores e ninguém pensou em suicídio
tivemos inclusive mais tesão
e você riu dos meus mamilos
sabendo o que eu dizia