Nina Maria
É natural do interior da Bahia, da cidade de Santo Estêvão. Nascida no ano de 2000. É preta, poeta, escritora, geminiana, feminista, lésbica, curadora literária internacional e editora da revista e site Ruído Manifesto, colaboradora do canal @jugmeirelles. Atualmente faz curso técnico de produtor cultural pelo SENAC-BA, é também graduanda em letras com língua francesa – UEFS. É autora dos livros A flor da Pele (Editora UEFS - 2019), Ela – Poemas e Cartas de amor (Independente - 2020), Há nove luas em mim (Editora Pedregulho - 2020), Eu vendaval Eu furacão (Editora Pedregulho - 2021). Organizadora da exposição e coletânea Cartografias Poéticas: A joia do Paraguaçu em cena (Editora Mondrongo - 2021) lançada na segunda edição da Festa Literária de Santo Estêvão. Possui a poesia como essência e guia de vida, escreve para não morrer e dar sentido ao universo do qual vive. Sua poesia existe e resiste de maneira à flor da pele, presente em algumas antologias nacionais ao lado de poetas negras como Conceição Evaristo, Jarid Arraes, Mel Duarte, Lubi Prates, além de antologias internacionais e poesias publicadas em países como Alemanha, Argentina, Chile, Bolívia, Colômbia, Peru, México, Suíça e Portugal.
(DES)CONHECER
No meio deles não me reconheço
tiraram-me de casa
e me jogaram no mar
no meio dos tubarões
nado nado nado sem parar.
No meio deles não me reconheço
Porque ouço risos e açoites,
piadas e deboches
[e meu choro baixinho disfarçado de risos
para que eu não seja a próxima vítima]
No meio deles não me reconheço
Porque preciso me pintar para ser aceita
e a cor favorita sempre foi o branco.
Cresci desconhecida de mim mesma,
alheias aos meus iguais,
perdida em meio a multidão.
Quando mirei a minha pele
a minha verdadeira pele
e enxerguei além
descobrir tantos outros eus,
tantas histórias, tantas vidas,
tantas lutas, tantos sonhos.
Quando escutei minha própria e verdadeira voz
cantei melodias desconhecidas por mim mesma
um canto de liberdade
ecoando nos para além dos porões.
Eu, que agora me reconheço
canto para salvar o outro,
o meu povo.
SONS DE MARIELLE
Entre correntes
Ouço dos canaviais
Sons da resistência
Ondas de tormenta
Atentam meu filho
Teu lugar não é aqui
Ouço dos canaviais
Ecos de gritos
Desrespeito!
Vestes rasgadas, seios desnudos
Maltratada, objetificada
Mais uma preta é violentada.
Ouço dos canaviais
Coros em choros
Criança renegada,
Maltratada, excluída
aqui jaz morta ou escrava.
Ouço dos canaviais
Sons de resistência
A mulher resistiu
A criança cresceu
Mãe e filho
Homem e mulher
Nação explorada,
Com uma cultura apropriada
Mas ainda assim, ignorada.
Canaviais de aço
trabalho desrespeitado
Mais uma vez, meu povo aprisionado
Canaviais da esperança
Ecoam vozes, potentes e presentes
Da África ao Brasil
Dos Estados Unidos ao Haiti
Minha cultura grita:
[Poesia
Música
Cinema
Teatro
Trabalho
Judiciário, mesmo que julgados
palavras de ordem, respeito e resistência.]
Estamos em todos os lugares
Somos de todos os lugares
Presentes em diversos lugares
Dentre os lugares, sempre, Marielle presente.
[Espantologia Marielle em Nossas Vozes. Edições Me Pario Revoluções]
MEMÓRIAS
A história por trás da mulher que sou
esconde uma menina,
criança,
que viveu de tudo,
até uma vida inventada.
A história da criança menina que fui
há um pai ausente,
que poucas vezes vi.
Um pai que se escondia nas festas quando me via,
e falava: você não é minha filha.
A história da criança menina que fui
envolve uma mãe que sempre fez de tudo,
e ainda faz.
Uma mãe que sempre foi forte,
e que nunca deixou faltar nada,
se desdobrava,
por vezes engolia o choro,
as ofensas,
e até mesmo algumas ausências.
Nunca levou desaforo pra casa
“com minhas filhas ninguém mexe.”
e ainda que não gostasse de tirar foto,
sempre apareceu sorridente,
dizendo “o que eu não tive,
vocês terão.”
As poucas memórias que tenho
da criança menina que fui
retratam uma menina que sempre foi moldada,
forçada,
criada à sombra de uma cultura desconhecida.
Reminiscências do dia em que me vestiram de baiana
e me expuseram para todos,
ainda lembro das piadas,
das risadas,
e de toda a graça
que fui marcada,
o riso forçado
revela alguém que sempre tive dificuldade
para se encaixar nessa sociedade.
Da mulher que sou hoje
muito devo a minha mãe
nunca desisti,
me reinventei,
ousei tentar,
consegui
e ainda continuo a tentar.
[para que eu nunca me esqueça que aqui,
sempre existirá um passado pra honrar
e um futuro para semear.]
["Cartografia afetiva: registro de memórias através da fotografia e poesia" ministrado por Ornella Rodrigues - SESC/SP]