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Natalino Ferreira Mendes

(*03/01/1924; +23/12/2011) é cacerense. Poeta, memorialista, historiador, jornalista. Escreveu para refletir sobre a vida a partir da compreensão dos sentidos da sua terra natal. Publicações: História da administração municipal de Cáceres (1973 e 2009); Efemérides cacerenses vol. I e II (1992); Anhuma do Pantanal: poesia da terra (1993); Memória cacerense (1998); Pássaro vim-vim: poesia da terra (2010); Fragmentos da história cultural de Cáceres e outros fios da memória vol. I e II (in memoriam, 2021), todas disponíveis em www.natalinoferreiramendes.com.br . Possui artigos publicados em jornais e na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso/IHGMT e da Academia Mato-grossense de Letras, onde ocupou a cadeira nº 15.    

Pássaro vim-vim

Ele chega de improviso

assobiando sôfrego

- “vim...vim...”

repetidamente

 

Minha mãe dizia emocionada,

mudando levemente o trino:

- “vem...vem...” está cantando,

alguém vai chegar...

 

Quem será?

Um filho ausente?

amigo

ou parente?

 

A avezita não diz quem

ou o que está para chegar.

Pode ser também

apenas uma carta,

que o correio vai trazer...

O tempo passou,

o mundo mudou,

eu mudei...

 

mas o pio do “vim...vim...”

não variou.

É sempre o mesmo

não importa que a modernidade

lhe tirou o encanto

das mensagens cifradas

que trazia aos lares crentes

de antigamente.

Insiste... anunciando

            - no seu pio -

que algo novo virá

nas asas da esperança.

 

(Pássaro vim-vim, 2010, p. 12-13)

 

 

 

 

Cáceres: princesa do Alto Paraguai

 

Descia o Rio dos Paiaguás

princesa linda das terras diamantinas

do alto Paraguai.

Vinha de longe, muito longe,

num airoso barco ornado

De Vitórias-Régias...

- Seu nome ninguém sabe.

 

Encantada com a visão

das terras que se espraiam

desde o rio

até a Serrania Azul

do lado que o sol nasce,

à praia abicou

no ponto em que o Paraguai

graciosa curva descreve

antes de procurar o sul.

 

Caía a tarde merencória...

A princesa, admirada,

quedou-se a contemplar o maravilhoso pôr-do-sol

que da margem do rio

se aprecia.

Em êxtase ficou

Voltada para o poente...

Alguns naturais acorreram

e, plantando suas choças

de folha de palmeira,

fizeram-lhe a corte.

 

Assim nasceu Cáceres,

a princesa do alto Paraguai.

 

Até hoje, pelas cercanias

da cidade, na estação chuvosa,

As Vitórias-Régias

das enseadas e baías

cobrem-se de flores,

relembrando a viagem da princesa peregrina

do alto Paraguai.

(Anhuma do Pantanal, p. 16)

 

 

 

Rio Paraguai

 

Desce sobre a cidade de Cáceres

como se a quisesse envolver

num longo e terno abraço.

Vem do Norte, procurando o Sul.

Olha para o nascente - orlado

pela Serrania Azul,

e avança, para em curva graciosa

banhar o litoral onde Albuquerque

lançou os fundamentos do povoado

que da rainha Lusa o nome herdou: - Vila Maria.

 

Vem da região do ouro - Diamantino.

Deixa a metálica riqueza

para a grande marcha fecundante

através das terras cacerenses

até o Prata

no seio do pujante Paraná.

Vem do antigo reino Parici

no planalto divisor das águas

amazônica e platina.

 

Choram os olhos D'água das Sete Lagoas

e a linfa corre,

busca o Amolar,

ramo principal do Paraguai.

Recebe o ribeirão do Ouro,

colhe o Brumado, o Sant' Ana,

Jaucoara e o Bugres.

Entra-lhe o Sepotuba cristalino à direita.

As águas se entrechocam, remoinham, esbravejam...

Fundem-se por fim suas correntes

para serem um só rio,

mais forte, mais belo e navegável.

Do reino dois antigos Cabaçais

mais um tributário lhe entra pelo flanco,

e, agora, soberbo, o Paraguai

procura a Urbe de Albuquerque.

Longamente a contempla bem de frente,

depois, virando-se à direita,

seu casario ribeirinho espelha

no cristal do líquido potável.

Lá no fundo, a Serra Azul, a Ponta do morro,

-  sinal da natureza cacerense!

A mesma Serra donde o sol desponta

para no fim do dia mergulhar por trás do rio

no Ocidente.

Nesse instante, do porto da cidade,

o mais lindo cenário se aprecia

das nuvens que, em rubras cores cambiantes,

a agonia do Sol em si revelam...

e Sol e nuvens, em turbilhão de cores,

o rio manso em seu cristal reflete.

 

Mas o rio é vida, que não pára.

O Jauru, logo abaixo, mais água lhe fornece

para alagar a imensa planície de Jaraies,

chefe índio,

e formar o Pantanal.

(Anhuma do Pantanal, p. 18-19)

 

 

 

Ponta do morro: sinal da terra cacerense

 

Os séculos e os elementos da natureza caprichosamente te esculpiram, ó Ponta do morro, na linha da serrania azul que serve de pano de fundo da cidade de Cáceres. Constituis um sinal da nossa urbe e bem ficarias num cartão-postal da terra de Albuquerque.

Admirável é a localização do nosso centro urbano: a oeste, o rio Paraguai majestoso na sua beleza natural; ao nascente, a serrania que, paralela a este importante curso d’água, dele recebeu o nome: Serra do Paraguai. No meio, a cidade, que nasceu humilde e hoje se expande para o norte, sul e para leste. Bem defronte, a Ponta do morro, corte maravilhoso da Serra mais alta para seguir o nível da mais baixa, compondo um sinal ou marca da natureza, como se no princípio fosse dito: “Aqui há de surgir uma cidade. Um homem de larga visão, vindo da Corte portuguesa a fundará, e, graças ao rio que lhe banhará os pés, será um porto aberto para o mundo...”

Muitos anos de isolamento sedimentaram-lhe a cultura, hoje enriquecida com a presença de brasileiros de outros estados. É chegado o tempo de Cáceres ocupar o lugar que lhe compete no contexto de Mato Grosso e do Brasil.

Acostumados com o panorama que nos cerca e preocupados com o viver cotidiano, não percebemos o símbolo da terra cacerense esculpido na serrania azul do lado que o sol nasce.

(Memória cacerense, 1998, p. 34).

 

 

 

Piuveira do Sangradouro

 

Testemunha derradeira

da mata luxuriante

do vale do Sangradouro,

Vetusta piuveira

se erguia flabelante

na larga área franca

- hoje chamada

Praça Luiz de Albuquerque,

abaixo da Ponte Branca.

 

Tinha raízes profundas

em nossa memória crente.

Viu crescer a cidade

conviveu com nossa gente,

- isolada e feliz –

formando belo cenário

no ameno logradouro

da cidade de São Luiz.

 

Solitária e majestosa

vegetava em nosso meio,

presentes em todos instantes

aos olhos dos cacerenses

e dos nossos visitantes.

 

Na sua copa viridente

cantavam os passarinhos

em delicadas nuanças.

À tarde, no mesmo porto,

vinham banhar-se as crianças.

O Sangradouro lhe beijava

docemente os pés,

e os contornava,

colocando-a vistosa

numa ilha primorosa.

 

Leves embarcações

nas enchentes

às raízes exteriores

da grande árvore

se amarravam,

e no local faziam ponto

os vizinhos pescadores.

 

Na estação primaveril

a árvore todinha

de flores se cobria,

e a praça renascia

em nova forma

de beleza juvenil.

 

Quem passa hoje pela Ponte Branca,

já não vê

a píuveira centenária.

As águas do ribeirão

de tanto beijar-lhe os pés,

em constante erosão,

solaparam-lhe as bases,

e certa noite

(era fatal!)

dos ventos ao açoite

a velha árvore tombou

em pleno vigor

da sua força vegetal.

 

O lugar ficou vazio,

o largo triste,

desfigurado.

Mas sua imagem persiste

no cenário do passado.

            ...

 

Que no álbum da saudade

continue a piuveira

no mesmo lugar e no tempo

embelezando a cidade.

(Pássaro vim-vim, 2010, p. 12-13).

 

 

 

Piuveira do Sangradouro

Abaixo da Ponte Branca, na imaginação e no retrato, lá está ela – a Piuveira do Sangradouro, elegantemente plantada no centro do largo, hoje denominado praça Luiz de Albuquerque. Suas raízes se aprofundam no nosso remoto passado. Seria ela remanescente da mata do Sangradouro que meus pais diziam ter existido no vale desse córrego periódico. Isolada e majestosa a árvore permaneceu ali, desafiando as intempéries. O Sangradouro roçava-lhe os pés e os contornava, encurvando-se para a direita. Sombra e flores prodigalizava ela, além da beleza que exprimia no cenário da cidade, do lado da Ponte Branca.

Nas cheias, as embarcações pequenas a ela se atracavam e os pescadores ali faziam ponto, constituindo-se ainda um porto de banho das crianças.

 A correnteza do ribeirão, com o passar dos anos, em lenta, mas inexorável erosão, enfraqueceu o terreno em que se plantara a árvore, e um dia, não se aguentou em pé e tombou... Caiu na pujança ainda da sua vida vegetal, deixando em seu lugar o vazio, que tão cedo não será preenchido.

Que fique, porém, a sua imagem no cenário do passado... e quando se abrir o álbum de recordações de Cáceres, ela esteja no seu lugar e no seu tempo, dando sombra e flores, caracterizando uma parte da cidade.

(Memória cacerense, 1998, p. 69).

 

 

 

 

Anhuma do Pantanal

Um grito ecoa

estridente,

na calada da campina alagadiça.

- Atenção bicharada,

estranho penetrando em nosso espaço!”

É o grito da Anhuma

empoleirada em alto galho

num capão de mato em meio ao campo aberto.

 

Novo grito, sinal de que o desconhecido

mais penetra em seus domínios.

E quando mais perto chega o intruso,

alça o voo o alado guarda

em busca de outra árvore

mais longe,

gritando sempre,

como se dissesse:

- “quem puder se salve!”

 

A essa hora a caça esquiva

já procurou outras paragens

mais seguras,

escapando ao caçador.

 

Para mim, ave do pantanal

da minha terra,

teu grito sem sentido diferente.

É um encantamento

que me conduz ao longo do passado, 

despertando, lá da infância, 

a primeira Anhuma

que escutei

à beira da baía do Malheiros

nas vizinhanças da cidade.

 

Não morreu aquela ave

passados tantos anos!

Adormeceu, apenas...

E quando, hoje, uma irmã sua

canta,

lá desperta ela

com toda carga de recordações

que, na solidão da beira da baía,

mais se animam

e se aproximam...

como se tudo fosse um ontem.

 

Canta, Anhuma pantaneira,

tal e qual a vez primeira,

infante, te vi cantar.

 

Canta, canta, ave amiga!

Enche o ar de emoção

para que, no coração,

nunca morra

a Anhuma da minha infância.

(Anhuma do Pantanal, 1993, p. 28-29)

 

 

 

 

Pássaro poaieiro

Do alto Paraguai na mata escura,

Em que viceja a poaia negra e pura

No próprio campo seu,

Existe um ser alado, já lendário,

No qual o sertanista solitário

Valor reconheceu.

 

Na úmida floresta portentosa,

Campeia essa ave fabulosa

Que se chamou poaieiro.

Seu nome vem da ajuda que ela presta

Ao sertanejo crente, de alma lesta,

Ao másculo mateiro.

 

É uma ave esquiva e agourenta

Que mais dos grãos da poaia se alimenta

E a espécie dissemina...

O extrator da erva a tem em conta

De grande auxiliar, pois ela aponta

Da Ipeca a rica mina...

 

É um chamado bom, dessa ave, o pio,

Para o lugar da mata, o mais sombrio,

Mais úmido e feraz.

Na trama que as lianas trepadeiras

Teceram, luxuriantes reboleiras

Dão messe eficaz...

 

Precisamente nessas regiões

Em que vicejam férteis os fogões

Do arbusto feiticeiro,

Está, invulnerável, na tristura

Da úmida floresta fria, escura,

O pássaro poaieiro.

 

 

Na solidão, seu pio esperançoso

Parece que traduz, harmonioso,

O grito: - Poaia! Poaia!

O bravo sertanejo pára, escuta...

Naquele ser cansado pela luta

Um novo alento raia.

 

Bom pássaro poaieiro! Amigo certo

Do poaieiro homem que, decerto,

Contigo se irmanou...

Unidos, ave e homem, num afeto,

Procuram na floresta o mesmo objeto

Que Deus ali criou.

 

No místico silêncio do sertão,

Os dois, a sós, fiéis, cabal missão

Realizam à surdina:

Mantém a ave a planta ao solo presa;

O homem à ciência benfazeja

Entrega a emetina.

(Anhuma do Pantanal, 1993, p. 53-54)

 

 

 

Vapor Etrúria

 

Um longo apito ecoa sonoroso!

-Etrúria!... diz o povo emocionado.

Já o porto de gente está apinhado:

- Eis, na volta do rio, o barco airoso.

 

Anos mais de cinquenta, no passado,

Ligaste Corumbá, Vapor formoso,

À urbe de Albuquerque (nome honroso!)

- Único meio de transporte usado.

 

Assim, tanto de uniste à nossa vida

No abraço da chegada e da partida,

Que símbolo já eras da cidade.

 

Etrúria!... o Paraguai está vazio...

Fecharam-te o cais... Mas tu, navio,

Continuas vivendo na saudade.

(Anhuma do Pantanal, 1993, p. 59)

 

 

 

 

O Etrúria voltando do estaleiro

 

Interpretando o sentimento cacerense, o jornal da terra, A Razão, de 18 de novembro de 1950, assim fala quando da volta da tradicional embarcação às atividades:

Numa destas últimas manhãs, a cidade foi despertada com um apito tão seu conhecido. Era o Etrúria, o barco da cidade de Cáceres, que após alguns meses de estaleiro, regressava, garboso, para continuar a fazer a linha que, há mais de 50 anos, vem fazendo. Não há, acreditamos, quem, em Cáceres, não se julgue dono de um pedacinho do Etrúria!... Justifica-se, portanto, a nossa alegria, vendo o nosso vaporzinho e ouvindo o seu apito, que tantas recordações nos traz.

Em carta que nos dirigiu, em 1972, um dos ex-comandantes do navio, Sr. Victalino Ferreira Gomes, então residente em Corumbá, dizia-nos ele que esteve no comando da embarcação quinze anos. As viagens eram regulares, tanto nas cheias como na seca, e duravam cerca de cinco dias. Lembra de dois outros ex-comandantes, Salvador de Campos e Luiz Felipe Gomes, o conhecido Luiz Prático. Evoca, com carinho e com saudade o sonoroso apito da embarcação, a chegada a Cáceres, o povo que acorria ao porto, a atracação... Relembra a alegria dos encontros e a nostalgia dos semblantes das pessoas que se despediam dos parentes e amigos, nas partidas. Mas um dia o Etrúria se foi de Cáceres... e nunca mais voltou. Segundo o ofício nº 1646, de 25/10/1978, do Comando do 6º Distrito Naval de Ladário, o Vapor Etrúria foi transformado em lancha de apoio ao Serviço de Sinalização Náutica do Oeste, e é utilizado atualmente na verificação do balizamento e instalação de novos sinais no rio Paraguai e afluentes. O ofício acima citado foi dirigido à Prefeitura Municipal de Cáceres, em resposta à solicitação, que esta fez àquele Comando, de ceder o navio, no todo ou em parte, para figurar, em nossa cidade, como um marco importante da sua história.

(Memória cacerense, 1998, p. 199-200)

 

 

 

 

 

Bússola

Aparelho original

 - a bússola.

Dentro da lâmina imantada,

em forma de losango,

aponta perenemente

os pólos magnéticos do planeta,

dando ao viajante terrestre

ou ao nauta no mar

- segura orientação.

 

O coração,

como a lâmina da bússola,

            - divinamente imantado –

indica

o alfa e o ômega

            - princípio e fim do existir –

entre os quais o homem

desempenha o papel

que lhe compete

no grande palco da vida.

(Pássaro vim-vim, 2010, p. 39)

 

 

 

 

O sapo

Animal deformado, feio, imundo,

É por todos o sapo repelido

Por temor do seu cuspe nauseabundo,

A só defesa de que foi munido.

 

Insensível ao nojo que ao mundo

O seu corpo vil causa, escondido

De uma toca escura ao tredo fundo

O sapo vive, enquanto o sol temido

 

No céu vai... Mas apenas uma estrela

Vê brilhar, são o sapo procurando

Os insetos na beira da baía

 

Nessa hora (é doce percebê-la!)

Rompe, em coro, dos sapos todo o bando,

Produzindo uma triste sinfonia.

(Anhuma do Pantanal, 1993, p. 61)

 

 

 

 

Colégio Sant’Ana

 

A 6 de fevereiro de 1935, pela lancha Itajay, chegava a Cáceres o Sr. Generoso Alves Corrêa, acompanhado de sua numerosa família, fixando residência no casarão que havia na Avenida 7 de setembro, esquina com a rua Padre Casimiro, onde é hoje o Hospital São Luiz. Dentre suas filhas, duas eram exímias professoras, as senhoritas Ida e Hebe Alves Corrêa. Logo após a chegada, as duas moças trataram de abrir uma escola que funcionou em dependências da casa de morada da própria família. Assim, no mesmo mês, no dia 17, pelo jornal Fronteira, já anunciava, a que seria a diretora da referida escola, Sta. Ida Alves Corrêa, a abertura de matrículas, marcando o início das aulas para os primeiros dias do mês de março do mesmo ano. O novo estabelecimento recebia alunos de ambos os sexos para os cursos primário, de admissão ao ginásio, e também para o curso secundário, ministrando neste as matérias: português, geografia, aritmética, francês e desenho, com aulas uma vez por dia para cada curso. O ensino primário seria ministrado de acordo com o programa oficial e as mensalidades foram estipuladas da seguinte forma:

Curso primário: 1º ano – 5$000; 2º ano – 6$000; 3º ano – 7$000; 4 ano – 8$000.

Curso de Admissão – 10$000; curso secundário – 20$000.

Tivemos, assim, em 1935, nova tentativa de se fundar em Cáceres um ginásio, que, como sabemos, só foi concretizado em 1948. Outras tentativas houve: no início do século, com o professor Demétrio Costa Pereira; e, na década de 1920, por uma associação formada para esse fim.

O Colégio Sant’Ana funcionou regularmente, e ganhou fama, até 1941, quando a família Alves Corrêa se mudou para Campo Grande em busca de mais amplos horizontes. A contribuição, porém, que deram a Cáceres aquelas moças inteligentes, na área da instrução, não pode ser esquecida. Precisa, ao contrário, fixar-se, no devido espaço e tempo, na história da nossa terra. Muitos ex-alunos devem àquela escola a base de sua formação.

(Memória cacerense, 1998, p. 122-123)

 

 

 

 

Poesia

Uma gota de luz desceu sobre a finita

Matéria, ao frágil corpo humano dando alento,

Onde incendido o sangue em convulsão se agita,

Proporcionando a vida em pleno movimento.

 

Formou-se então o ser... e daí, da bendita

E nobre união, com o insondado intento,

Aflora-se e procura alcançar a infinita

Esfera sideral, o humano pensamento,

 

Que, anelante, sonda a razão da existência.

Luta o homem, e só, no decorrer da vida,

Cruas dores curtindo e lágrimas vertendo.

 

O coração se agita, e dele, com frequência,

Irrompe ainda quente e úmida, sentida,

A poesia, que é luz, a vida enaltecendo.

(Pássaro vim-vim, 2010, p. 7)

 

 

 

 

Música

Abençoado lenitivo desta vida,

que, mesmo curta, nos encanta,

a música tem o condão

de acender na gente

indefiníveis emoções.

 

Músicas há inumeráveis

que nos extasiam

e nos elevam o espírito.

Há as preferidas nossas,

aquelas que exprimem o estado d’alma do autor

e se afinam com a nossa sensibilidade,

convidando-nos a viajar no tempo,

revivendo fatos

da nossa própria história,

que bem ou mal elaboramos.

Dizemos, então, que tal música

é a nossa predileta,

porque serviu de sonoro fundo

num tempo e num lugar,

para uma das cenas da nossa vida.

Sempre que essa música ouvimos,

o quadro antigo à nossa mente volta,

revestido de saudade.

 

Tu, Música, no teu ritmo e harmonia,

            - eloquente ou lírica –

Só podes ser divina,

ao lado da irmã-gêmea – a Poesia.

(Pássaro vim-vim, 2010, p. 68)

 

 

 

 

Pai Congo

Havia um córrego,

conhecido

como córrego do Pai Congo,

na região da Morraria cacerense.

Rondon a ele se refere,

nas suas memórias,

ao atravessá-lo

na marcha que empreendeu

de Cáceres ao Jauquara,

logo após a inauguração

da linha telegráfica

até a cidade de Mato Grosso.

 

Córrego do Pai Congo,

seria o primitivo nome

do nosso turístico

Piraputangas?

O grande sertanista não deixou resposta

 

Mas a imaginação nos faz crer

que nessa passagem do curso d’água,

em priscas eras,

vivia

algum descendente de escrava gente;

e com o fundador,

notável se tornou na vizinhança,

merecendo o nome protetor de pai.

(Pássaro vim-vim, 2010, p. 50)

 

 

 

 

 

Solitário da cacimba

Rondon ainda o viu – o solitário da cacimba, na sua passagem pela região de Cáceres, conforme consta de suas lembranças escritas por Esther de Viveiros, na obra Rondon conta sua vida (1958, p. 220). Diz o grande sertanista, por sua biógrafa: “Encontramos abaixo do Jatobá um pobre velho caboclo. Chamavam-no no solitário da cacimba. Queimaram-lhe o rancho os apaniguados da Fumaça”. Transformou-se o caboclo em solene e muda testemunha da arbitrariedade do mais forte praticada contra o mais fraco. Protesto silencioso contra a violência que, infelizmente, existe na comunidade humana.

Expulso do seu rancho, foi viver sozinho junto à cacimba. Na sua miséria e abandono, tornou-se notado e popularmente respeitado pela vida abnegada que levava. A imaginação popular pôs-se a funcionar. Formou-se o mito que venceu o tempo e vive ainda na memória cacerense.

Solitário entre os homens, fez mais íntima a sua relação com a natureza a cujo ritmo se ajustou. Indiferente ao sofrimento, quase imponderável, imaginamo-lo à porta de um abrigo improvisado, junto à cacimba – humilde fonte de água tanto usada no passado da nossa gente. Voltado para o poente, contempla o sol que se põe em meio às nuvens do horizonte. A noite vem... mas o velho sertanejo sabe que todo ocaso já contém em si a semente de um novo dia.

Falta um quadro na galeria das artes plásticas desta cidade: a tela do Solitário da Cacimba.

(Memória cacerense, 1998, p. 115)

 

 

 

No tempo dos lampiões de rua

Sob o título “Retrógrados”, o jornal O Combate de 19 de junho de 1919, que circulava em Cáceres, rebate as críticas de alguns que se opunham à instalação de energia elétrica nesta cidade, alegando que a receita municipal é insuficiente, as ruas não têm calçamento, não possuem esgoto, etc.

Comentando a iluminação pública da época, diz O Combate: “A luz é a base de todas as prosperidades, não é das mais lisonjeiras. Nas noites escuras, difícil é distinguir uma pessoa a uns dez metros de qualquer lampião; as casas fecham-se muito cedo, tendo a cidade o mais desolador aspecto. Ao passo que, quando enluaradas, as famílias, com inefável alegria percorrem as ruas, proporcionando uma animação que faz esquecer-se a monotonia costumeira. Claro está que o sofrimento maior da população provém da falta de iluminação, que ocasiona-lhe um viver marasmático e displicente. Ao nosso estreito critério – continua o articulista, é o que pretende o nosso Intendente, continuar a alegria adormecida nas noites em que não há luar. E, para alcançá-la é só por meio da luz e esta deve ser elétrica”.

E conclui o autor da matéria: “Convictos da eficiência do ato do ilustre Intendente, que visa luz como a causa primordial da alegria da população e ponte de partida para progressos futuros, ficamos cingidos, se bem que no sentido físico, à legenda do presidente Jefferson que, aos que lhe perguntaram do que necessitava o país para um pronto desenvolvimento, respondeu-lhe: luz, luz e luz”.

(Memória cacerense, 1998, p. 128-9)

 

 

 

 

 

O lampareiro

 

Antônio Chaves, Venâncio,

Boaventura, Ezequiel,

Totó de Coleta, Nhonhô,

E tantos outros,

Sem rosto, sem nome,

-  Que importam?

 Estes homens anônimos criaram

Na vida da cidade

A figura singular

Do Lampareiro.

 

Ainda o vejo escada ao ombro,

Corote de óleo na mão

Caminhando de poste em poste

Quando a tarde começava.

Era hora de limpar

E abastecer

Os lampiões de rua da cidade.

 

Logo após, pelas dezoito horas,

Volta o Lampareiro,

Escada ao ombro,

No bolso caixa de fósforo.

Chega de manso encosta a escada no poste,

Sobe por ela,

Abre a portinhola da caixa de vidro

Que a luz ampara,

Faz fogo

E acende o lampião

Em frente da minha casa.

Desce em seguida... retoma a escada e prossegue

Cioso do seu trabalho.

O tempo urge, a noite chega.

Há outros lampiões que acender.

Lá vai ele, na perspectiva da rua...

Amanhã estará de volta

Fazendo o mesmo trabalho.

 

Mas um dia, chega o progresso.

A força elétrica se instala.

Erguem-se postes vistosos

De madeira e de cimento,

E a rede de fios de cobre

Se estende pela cidade.

As lâmpadas se acendem num só instante

Com um simples ligar de chaves.

 

A cidade sorri

Com a nova iluminação!

 

Dos lampiões de querosene

Que a urbe iluminaram

Por quase cinquenta anos,

Não ficou sobrevivente.

A figura, porém, do Lampareiro,

Que fez parte importante da cidade

Por muitos e muitos anos,

Essa figura ficou... conservada

Com cuidado e com carinho,

Pela nossa tradição,

Que é a memória do povo!

(Anhuma do Pantanal: poesia da terra, 1993, p. 42-43)

 

 

 

 

 

Pé-de-garrafa

Na assombrada mata da Poaia

Mal conhecida, outrora, dos mateiros,

Um monstro temeroso de forma humana

De longos pelos dotado,

Alto, forte, horripilante,

Em um só pé apoiado.

 

Seu nome: Pé-de-garrafa!

Pois seu casco imita o fundo

Da garrafa sobre o solo.

Não é bicho deste mundo!

 

No seu corpo invulnerável

Só há um ponto sensível:

O umbigo pequenino

De longe quase invisível.

 

Quem esse alvo errar

Não terá mais salvação...

É esse monstro infernal

Que ronda pelo sertão.

 

Ai do homem que, sozinho,

Na mata, sem um roteiro,

Ouvindo do monstro um grito

Pensa ser de um companheiro.

 

É sempre de tardezinha

Quando o poaieiro cansado

Procura o rancho distante

Que o bicho mau, odiado,

 

Vai andando, espreitando,

Nas imediações da picada.

Grita aqui, grita acolá,

Um grito vil de emboscada.

Pobre de quem o seguir.

É levado para o ermo

Para lugares sombrios

Onde o horror não tem termo.

 

Assombrosa é a mata bruta

Onde o bravo poaieiro,

No seio da natureza

Labuta só, dia inteiro.

 

Há feras más, há insetos,

E toda sorte de miasmas...

Há perigos mil reais

E... diabólicos fantasmas.

 

Quando o caboclo adoece,

Com essas feras lendárias

Nos seus delírios de febre,

Trava lutas sanguinárias.

 

Assim, os monstros medonhos

Ficam vivendo, de fato,

Na singela consciência

Do nosso homem do mato.

(Anhuma do Pantanal: poesia da terra, 1993, p. 55-56)

 

 

 

 

As lavadeiras

 

Cedinho levantam-se ela as lavadeiras (da minha infância)

Preparam o “quebra-torto”.

Das roupas a lavar

fazem trouxas,

munem-se de sabão, anil e porrete.

Tudo posto na bacia,

- alvissareiras-

seguem para o rio

As lavadeiras.

 

Lá, dividem-se em setores

no porto preferido:

- Furadinho

Malheiros

Fonseca

Dom Thomaz

E Carne Seca.

 

Formam-se bloquinhos

de comadres.

Acocoradas na praia atrativa

- água na cintura –

começam a faina cansativa.

Ás vezes a frieza d’água,

que mansamente passa,

precisa ser quebrada

com um gole de cachaça.

O almocinho, têm-no já preparado

ou é feito

ali mesmo na praia.

Do sol quente se defendem

com panos na cabeça,

e a canseira se ameniza

com animada conversa,

que começa sem tardança,

sobre assuntos variados

do dia-a-dia caseiro,

da rua

da vizinhança.

 

Banheira na cabeça

de manhã cedo

as lavadeiras seguem p’ra lida.

A tarde com o sol se pondo, amolecida,

regressam, às suas moradas

com as roupas já lavadas.

caminham eretas

com a bacia

equilibrada na cabeça.

Vêm contentes,

calculando o resultado

do trabalho do dia.

 

Na tela da minha infância

passam elas uma a uma

-representantes, que são,

de humilde profissão,

que passou,

com os anos da minha vida.

Fez-se presente,

sedimentou-se

na cultura da nossa gente.

 

Ao rio vão de manhã,

do rio voltam a tarde.

Embora numerosas,

fundem-se todas

- na distância do tempo –

na lavadeira NHA LUIZA,

que, diariamente, passava

- devagar-

pela frente do meu lar.

Figura de mulher esquia,

com a bacia de roupa

na cabeça.                             ...

 

Assim o monumento

que eu ergueria com saudade

- no Fonseca ou no Furadinho –

lembrando com carinho

as lavadeiras da cidade.

 

 

 

 

Cigarra

Sol a pino causticante e amarelo,

sol de outubro.

Choveu e faz calor.

Emanações sobem da terra quente e úmida.

Nas árvores, as folhas se renovam

- sinal de vitalidade.

Nos cajueiros, frutos sazonados,

vermelhos e amarelos...

minha terra estua vida!

 

De repente, corta os ares

zunido curto e forte.

É o ensaio da cigarra.

Experimenta o tom

uma, duas, três vezes,

para então um longo silvo

desferir pelo arvoredo...

Canta forte, dá o que pode,

naquele silvo comprido

como se nele quisesse

a vida toda escoar...

 

enquanto cantas, cigarra,

na mangueira do quintal,

tu inocente não sabes

que no instante em que tu cantas,

do passado que vivi,

bem juntinho do arvoredo,

acordas tantas cigarras

- irmãs tuas –

que dentro de mim

no curto tempo do teu canto,

põem-se todas a cantar,

refazendo a sinfonia

dos meus anos primeiros

- já vividos –

desta vida e neste mundo,

na feliz intimidade

da pujante natureza.

 

Canta, cigarra, canta...

Alvoroça a minha vida

para que ela seja sons

e vibrações

contemplação

dessa eterna maravilha,

que nos envolve e comove,

das obras da criação.

(Anhuma do Pantanal, 1993, p. 30-1)

 

 

 

 

 

Silva Freire: o poeta do novo (1972) em Silva Freire -
Campus Universitário – temos a poesia em tempo do novo.

 

É bem o tempo-poema.

 

O cotidiano em ritmo do tempo

que vivemos.

 

É a poesia que participa,

que nos leva ao Campus

universitário

para ver (ver, sim)

o Campus funcionar

(como ele diz)

no “passarinhar de leituras”.

 

Porquanto,

a leitura dá asas ao homem

que adquire a arte de voar

tal e qual o passarinho.

 

Esforço?

 

Para saltar, o atleta afasta-se do objeto,

no gesto olímpico

(como imagina o poeta)

Do “recuo no salto”.

O salto é belo.

 

O mecanismo que mostra a sala-classe,

de Silva Freire,

Se resume no “ouvido/memória/reflexão”.

Onde “aquela sombra curva é a peça central

que irradia ondas do saber (o peito-mestre).

 

Então,

o Campus opera maravilha:

o oculto se abre como uma flor.

 

O invento surge da pesquisa.

 

O homem se levanta da terra

no gesto do acordar,

piscando os olhos atônitos de ver

o que não via.

 

Faíscas de luz chocam-se

(no debate)

refinando mentalidades

para que se dê o amanhecer.

 

A poesia de Silva Freire

Ressuma vida – sinal e semente.

 

Há no homem algo que o dignifica

 

E transcende o próprio tempo.

 

O Campus é o campo excelente

(pensa o Vate)

 

Para o treinamento intelectual

Do ser humano.

(Pássaro vim-vim, 2010, p. 81)

 

 

 

 

 

Hino a Cáceres

Música e orquestração: Cap. Lenírio da Silva Porto

Marcha um povo rompendo a floresta,

Ganha terras e aumenta o Brasil.

No ocidente penetra e, na testa,

Albuquerque de porte viril.

 

Dessa marcha de heróis do passado,

Tu, ó Cáceres, ergues-te forte:

Já ecoa no campo o aboiado,

Surge a Poaia nas matas do norte.

 

Tuas terras banhadas dos rios

Sepotuba, Jauru, Cabaçal,

Paraguai – porta aberta p’ra o mundo!

Mar interno – feraz Pantanal!

 

O teu solo propício à cultura

Doutros centros chamou atenção.

Veio gente no afã de fartura,

Confirmou de Albuquerque a visão.

 

Tua história contém a lição

De trabalho tenaz, persistente.

No concerto geral da Nação

Como sempre respondes – Presente!

 

De Albuquerque foste a preferida

Minha terra cristã e feliz.

Cidade amor de São Luiz,

Salve, Cáceres, princesa querida. (Ano do bicentenário de Cáceres)

(Anhuma do Pantanal, 1993, p. 69).

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