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Michel Yakini-Iman 
É escritor e produtor cultural. Autor de acorde um verso (2012), Crônicas de um Peladeiro (2014), Amanhã quero ser vento (2018) e Na Medula do verbo (2021).

CABOCLO PALESTINO

Sabe mano,
Hoje, saí de casa na certeza que escreveria sobre o genocídio do povo palestino, pesquisaria sobre a faixa de Gaza, sobre o histórico da região, pra compor argumentos e me unir aos que me identifico nesse grito urgente.
Bastou cem metros de caminhada e encontrei seu irmão e de bate-pronto me lembrei de você, da sua ausência e meu mundo voltou a apontar pra cá, pra quadra da rua de trás, pro dia em que te conheci, pro dia em que conheci seu mano e me dei conta de que ainda é preciso escrever muito sobre nóis. Sobre a linha de corte desse balaio do caboclo-palestino.
Precisei apenas atravessar a rua pra encontrar a morte sendo entregue que nem pizza na frente do portão, quentinha, sem importar o nome de quem fez, a cara do indivíduo, o porquê. Assim: sem muita explicação, entregou, tchau, boa sorte!
E somos tantos iguais, né, mano? Parece ironia, mas você carrega o nome do seu pai e seu pai, assim como você, não soube o que é ter trinta e poucos anos. E eu que achava que esse medo já não me rondava, ficava me gabando da nossa geração ainda tá vivona por aí… Ilusão.
Vê só: Esses dias, encontrei aquele chegado, que não via há tempos, com um sorriso estranho me dizendo que acabou de vir de uma clínica catequista e que agora é só Deus pra continuar firmão. Devolvi o sorriso sem graça, por saber o fim da história, que o mano não sabe que tem uma doença e acredita mesmo na ruindade do seu espírito. E certamente, logo mais, ele vai descer de baixo da ponte pra pipar com esse tal demônio travesso. E o pior: com vergonha de olhar pra mim. Tomara que não!
Depois, já de noitinha escrevi uma carta pro menino do nosso conceito, que mais uma vez tá guardado, com aquele sorriso lindo e a cabeça dura de tanto incompreender porque a vida só lhe presenteia com algemas e surras de xilindró. E a mãezinha dele, que viu a gente ser gente, me pediu um livro pra levar, porque toda vez que ele vai em cana inventa de ler, mesmo não sabendo a diferença de um “A” prum “V”. Acho que, agora, isso faz diferença no xis, dá moral, quem lê ou finge que lê mostra sinal de inteligência e, normalmente, dá as cartas do quadrado. Vai saber… 
E o curumim? Esse a gente viu crescer, pegamos no colo e os caramba. Ele vem me visitar vez ou outra, mas tinha sumido. Encontrei ele no busão todo sem graça. Já sabia que ele tava aprontando. Má notícia é rapidinho pra derramar. Fiquei na minha, não posso dá lição de moral no muleque. Ele quer ter carro, tênis, roupa, comer o que deseja. Por que não? E mesmo quando apareceu aqui, depois de saber que eu tava numas dificuldades, eu só pude abraçá-lo e dizer: Se cuida menino, gosto de você, caramba!
O que me faz lagrimar escondido, mano, é que quase sempre a linha de chegada deles será como a sua, de um corpo pálido, furado a ferro, numa gaveta fria. Notícia que chega como numa entrega corriqueira de pizza no portão. Assim: sem muita explicação, entregou, tchau, boa sorte! Ficou sabendo? Fulano morreu? É, fazer o quê? Pois é, fazer o quê?
Ficou banal. Nossa morte não comove ninguém, porque ela é lenta, muquiada e fatal. Feita na espreita pra nenhum ser humano reclamar da nossa insignificante presença nesta terra ingrata. Hoje é mais seguro lutar pela vida na Palestina do que pela sua quebrada, senão é capaz que o próximo caboclo a sumir seja você. 
Esse mundão tá um caos sem solução. Por isso, esteja em paz mano, por onde estiver, pois, com certeza, estará melhor que aqui.

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