Mayana Vieira
É poeta, mulher negra periférica e lésbica. É autora do livro Motumbá, publicado em 2017, em parceria com o Sarau das Mina; tem poemas publicados na coletânea Sarau das Minas, lançado em março deste ano. Slamaster no Slam do Grajaú, é educadora com formação em Letras. Acredita que as palavras são armas potentes que despertam transform(ações). Mayana Vieira escreve para não se afogar no que sente.
Era novembro quando eu me apaixonei por ela
Que os livros nos perdoem, mas foram eles, muitas vezes, testemunhas do nosso amor
É que ela tem a beleza de Oxum no olhar
E carrega seu brilho espalhado sobre o corpo
Quando ela sorri
Os olhos dela se fecham
E a alma parece sair pra fora
Distribuindo, sem saber, o seu axé
Me apaixonei pelo jeito que ela enfeita o Ori com tranças e turbantes
De muitas cores,
Tipo o arco-íris de Oxumarê
É que ela é a sedução de Iemanjá
Com a fúria de Iansã
E a justiça de Xangô
Ela é liberdade,
É vento que voa
E voa alto
Mas que sabe a hora de parar
Eu me apaixonei pelo jeito que ela me ama em patadas
É que o sol dela é em aquário
É preciso respeitar
Eu me apaixonei e me apaixono toda vez que cê acorda com um bico enorme
Reclamando pelo despertador despertar
Eu acho fofo o jeito que cê lava seu rosto
E como quando tá brava, arqueia a sobrancelha pra falar
É que o jeito que ela respira é tão lindo
Me apaixonei pela sua sacanagem
Pelo jeito que nosso amor começa na boca
E se espalha pelo nosso corpo um desejo sem controle
Que nos rouba a razão
E nos entrega ao outro lado
Gosto dos nossos corpos despidos em confronto
Da minha coxa
Na sua coxa
Nossas pernas entrelaçadas e o ofegar das nossas respirações
Gosto dos nossos movimentos circulares de dedos
Do nosso vai e vem
Vem e vai
Entra e sai
Me apaixonei pelo jeito que nosso amor sempre termina na boca
É que toda vez que te vejo “alguma coisa acontece no meu coração”
Eu me sinto em paz
Você me faz sentir a brisa gostosa de quem olha o mar
E toda vez que eu olho o mar
Eu só consigo dizer sim.
Me destrói a ideia do inacabado
É como se eu tivesse presa na garganta uma palavra que nunca sai
O afeto não dado
Me corrói a falta de tempo
As não-brechas dos sorrisos semanais
A solitude mórbida de quem ama amarelo
Mas há tempos não reluz
Os excessos excessivamente contidos
A gente vai inventando desculpas pra desculpar nossos medos
Encobrir desejos
Negar plenitude
Contemos alagamentos mútuos
E nos afogamos sozinhas
Tipo um poema sem fim.