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Marta Cocco 
Marta nasceu em 18/09/66 em Pinhal Grande-RS, veio para Mato Grosso em 1992 e atualmente reside em Tangará da Serra. É professora de Literaturas da Língua Portuguesa da UNEMAT, Doutora em Letras e Linguística, membro da AML e autora de 11 livros.

ENSAIO SOBRE O TIRAR E O PERDER

“sei que nada sei”
só não sei mentir
ao rezar ou rir

(Antonio Carlos Lima)

Eu vi tudinho, seu delegado, deixa que eu conto, o meu marido foi pro hospital com a senhora idosa, mais a que tava grávida e as duas criança. Eu tava com ele, anota aí:
A gente tava indo pra Tangará da Serra. No que passamo o Bugres, os cara viero de lá de trás. Quan
tos era? Era em três. Vestido como? Ah sei lá, tavo de roupa normal ué, calça e camisa, camiseta e eu havia de repará nesse tipo de coisa? Ah, um tava com a camiseta escrito nike bem grande, esse eu me lembro. Dois tava armado o outro não. Gritavo feito besta. E eu gritei co eles ora, nem meu pai gritava comigo, havia de bandido gritá? Meu marido só faltou ponhá a mão na minha boca. Aí eu vi que era sério, fiquei quieta, mesmo assim eles encostaro o revólver na minha cara, aí eu fiquei com medo, fiquei muito quieta daí esse cara foi pra frente com a arma apontada enquanto os outros dois ficava recolhendo as coisa. Sim, foram tirando tudo das pessoa, é celular, é cartera, é óculos, é relógio. Ficavo gritando, tira essa pôrra logo aí, tira essa merda, não enrola, vai tê chumbo, não brinca com os mano, o primero engraçadinho vai dormi debaxo de sete palmos... Essas besterada tudo. Era um tira isso tira aquilo. Só faltava pedi pra tirá as calça. Aí também era muito atrevimento, né? Nas malas que tava embaixo não relaro, não. E tinha um que não era tão agressivo, ficava repetino: nóis não qué machucá ninguém, nóis só tá fazeno o nosso trabalho. Não, pera aí! Por isso que eu preciso de contá isso, foi quando conseguimo chamá ocêis. Tinha um cara, vim a sabê depois que é professor. Pois ele ficava encolhido num canto, tava no banco do nosso lado. Pensa num homi apavorado. Tremia, arregalava aqueles óio branco dele. Eu fiquei com dó do coitado. Falei pra ele, fica tranquilo, moço... foi quando meu marido ponhô a mão na minha boca. Meu marido é da polícia, também, cês já sabe disso, mas não tava fardado não. Diz ele que a sorte é que os documento dele tava no bolso da camisa e eles nem percebero, porque bandido tem mania de implicá com polícia. Então! Daí que eles mandaro o motorista descambá pruma estrada de terra, ali pronde vai pro sítio dos Moura, então, lá eles juntaro tudo as coisa que tinha robado, ponharo num saco, trancaro o ônibus e ah, o pior ocêis num sabe, pois um dos engraçadinho bateu uma foto de nóis. To falano, o negócio foi de cinema... Falo assim ó: aê pessoal, sorrindo todo mundo que essa vai pra possteridadi... Bom, daí fecharo o ônibus, falaro mais meia dúzia de besterada e montaro num carro branco. Eu ia prestá atenção qual era a marca do carro? Vi qual era não. E vazaro. Pera, é aí que eu vou chegá. Quando o tal professor levantô-se, menino, eu olhei pro meu marido, aí eu tive que ri, não deu pra aguentá. Tinha um troço nas calça do homi, eu pensei na hora. Cagô-se. Menino, pensa que na hora do desespero... Eu falei: é pra acabá, coitado do homi. Daí ele foi lá pra trás, não, o ônibus tinha banhero nada, ôxe, aí a passage fica mais cara, eu hein? Então ele foi lá atrás, aí eu pensei: vai se limpá no quê a criatura? Daí que pra nossa surpresa ele veio de lá, ainda assustado: eu tô com celular, calma pessoal, já estou ligando pra polícia. Aí meu marido falô na hora o número e pediu pra falá com vocêis. Nessa hora que a dona desmaiou. Ela tava falano que eles levaro tudo as coisas dela, mas não se importava com o dinheiro não. Ela tinha recebido a aposentadoria ontem e tava vino pra cá pro enterro dum sobrinho que tinha morrido porque esperô demais pra operá na fila do SUS. Mas o desespero dela é porque nas coisa que eles levaro tava a última carta da filha que tá no estrangeiro e faz dois mêis que não dá notícia. E parece que na última carta as notícia não era boa. O tal emprego que tinham arrumado pra ela por lá não era bem um emprego. Ela tava pedindo ajuda pra voltá.
Aí o resto ocêis já sabe.

© 2019 - Revista Literária Pixé.

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