Maristela Carneiro
É Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea – PPGECCO/UFMT. Docente da Faculdade de Comunicação e Artes – FCA/UFMT, é Mestre em Ciências Sociais e Doutora em História. Coordena o NEC - Núcleo de Estudos do Contemporâneo. Dentre seus interesses, destaque para Estudos de Gênero, Feminismos, Artes e Cultura Visual, Pensamento Decolonial e Epistemologias do Sul.
CHINOISERIES
O território brasileiro é profundamente marcado pela arte barroca. Em igrejas, residências e edifícios públicos espalhados pelo país, são notáveis ainda os traços de grandiosidade, requinte e drama que caracterizaram o barroco e o rococó, estilos gestados na Europa entre os séculos XVII e XVIII. Isto posto, a arte e a arquitetura colonial do período também carregam influências não-europeias em sua composição, e talvez as menos notadas sejam as de origem asiática.
A história da colonização portuguesa na América coincide, compreensivelmente, com a expansão ultramarina do reino português para a África e a Ásia. Em busca de riquezas, marujos portugueses se depararam com culturas imensamente diversas das suas, retornando a seus portos de origem com fragmentos dessas culturas, que cativaram (e ainda cativam) o imaginário euro-americano.
Padrões decorativos e formas presentes na arte chinesa foram amplamente replicados pela arte europeia tão logo se deu este contato. Imitações tornaram-se comuns. Narrativas que eram supostamente correntes no imaginário chinês transformaram-se em temas estabelecidos. As chinoiseries, ou “chinesices” em português, tornaram-se um item obrigatório da iconografia rococó, presentes em pinturas, tecidos e louças. O made in china não é uma novidade ou peculiaridade dos anos 90. O interesse era, pelo menos até certo ponto, mútuo, já que exemplos concomitantes de “occidenterie” podem ser observados na arte chinesa do mesmo período, com destaque para Xiyang Lou, um palácio em estilo europeu encomendado pelo imperador Qianlong.
Lisboa era a porta através da qual entravam na Europa elaborados biombos nanban do Japão, mobília da Índia e porcelana da China. No Brasil, onde as elites coloniais buscavam recriar o que podiam da metrópole deste lado do atlântico, as chinoiseries eram sinônimo de luxo e espetáculo visual. No século XX o pensamento orientalista, até então comum entre os intelectuais euro-americanos, passou a ser finalmente problematizado por promover ideias de exotismo e estranheza. Até então, todavia, olhar para os territórios externos à esfera da dominação europeia como terras fabulosas de sonho e pesadelo, capazes de encantar os sentidos com seus deleites e estranhezas, era uma prática corriqueira para artistas de todas as linguagens.
As instâncias deste fascínio são múltiplas: em Salvador e Minas Gerais, grandes centros da arquitetura barroca-rococó, acumulam-se relevos e pinturas de dragões, andorinhas e vegetação chinesa característica chamam atenção em meio aos componentes mais convencionais de edifícios religiosos construídos a partir de referências majoritariamente ibéricas. Na Igreja Jesuíta de Embu das Artes encontra-se um catre ladeado por quatro leões funerários que são evidentemente influenciados pelas bestas míticas comuns na arquitetura chinesa: o leão guardião, o qilin, o pixiu.
Ainda mais digno de nota é o caso dos “Cristos Chineses” expostos no Museu da Ordem Terceira do Carmo de Cachoeira, na Bahia, cuja autoria é atribuída ao francês Charles Belleville, que residiu em Macau. Trata-se de um conjunto escultórico com oito figuras nas quais se pode observar a tentativa do escultor de imprimir fisionomias chinesas. Seis figuras foram caracterizadas com um penteado nitidamente não-europeu, com o cabelo aparentemente raspado na altura da testa. Um dos personagens veste um changshan. As esculturas evidentemente carregam a notória dramaticidade e o apelo grotesco e sangrento da estatuária barroca-rococó, entretanto combinam a estes valores o interesse pelo fabuloso reino do desconhecido que jaz em um canto distante do globo, em uma época antes da possibilidade de viagens aéreas e da mágica dos smartphones e da Wikipédia.
As artes são tecidos complexos e combinam camadas sucessivas de experiências humanas. Quando vislumbramos uma construção, uma dança, uma tela, frequentemente nos sentimos tentados a ver uma imagem coesa, maciça, sólida. O desafio mais recompensador, no entanto, é observar a capacidade que as artes têm de guardar em sua trama séculos de história, as vidas e as paixões dos ancestrais. Dito de outro modo, a história da arte é um palimpsesto. O barroco colonial é apenas um exemplo da capacidade de conectar a história brasileira à chinesa, antes mesmo que ambos os territórios existissem tal qual atualmente, demonstrando que a história da arte é menos uma história de objetos e eventos, e mais uma história de vidas que se expressam pela via da criatividade.
中国风
巴西深受巴洛克艺术风格的影响。在巴西许多地方的教堂、民居、公共建筑,都可以看到巴洛克和洛可可风格宏伟、精致、夸张的线条,巴洛克和洛可可诞生于17到18世纪的欧洲。也就是说,殖民时期的艺术和建筑也深受非欧洲风格的影响,也许大家并不知道,这一风格最早来源于亚洲。
葡萄牙在美洲大陆的殖民正好与其帝国对非洲和亚洲的海上扩张处在同一个时期。为了追求财富,葡萄牙水手们遇到了与他们截然不同的文化,又把这些地方的文化碎片带回到葡萄牙的港口,给欧美的想象带来了许多灵感。
在这之后,中国艺术中出现的装饰图案和形式随即被欧洲艺术广泛地复制。仿制品越来越多,中国式的叙事形式变成了既定的主题。中国风或葡萄牙语中的“ chinesices ”,变成了洛可可风格的必备标志,出现在绘画、布料和陶瓷中。中国制造Made in China并不是1990年代才有的。那个时候,西方对东方文化感兴趣,东方也对西方文化感兴趣。在同一时期的中国艺术中,同样也能看到西方文化的影子,比如乾隆皇帝建造的欧式宫殿“西洋楼”。
在那时,日本的南蛮屏风、印度的家具和中国的瓷器进入到了欧洲的门户。而在巴西,殖民时期的精英们也试图在大西洋彼岸建造大都市,中国风也是奢华和视觉奇观的代名词。到了20世纪,欧美的知识分子开始流行学习东方哲学思想,但最后,东方哲学思想却被贴上异域文化和奇思异想的标签。在那之前,各国的艺术家把欧洲统治范围之外的领土都描绘成充满美梦和噩梦的神秘国度,以满足大家的猎奇心理。
这种受东方魅力影响的例子还有很多:在巴西的萨尔瓦多和米纳斯吉拉斯,巴洛克-洛可可风格的宗教建筑上可以看到龙、燕子、中国植物的浮雕和绘画。恩布达斯阿尔特斯的耶稣会教堂里有一个托盘,旁边是四只葬礼狮子,这些狮子显然受到了中国建筑中常见神兽:守门狮、麒麟、貔貅的影响。
更值得一提的是,在巴伊亚州卡乔埃拉的卡尔莫博物馆展出的“中国基督”。它的创作者是一个曾经在澳门居住过的法国人——查尔斯·贝尔维尔。查尔斯想通过这套雕塑作品的8个人物来塑造中国风。显然,其中的6个人物并不沿用欧洲的发型,他们的头发剃到了额头那里。其中还有一个人物身着长衫。这些雕塑显然带有巴洛克-洛可可的夸张风格,但同时又结合了中国风,这体现了艺术家对地球另一端未知文化的探索。要知道,在那个时代,没有航空旅行,没有神奇的智能手机,也没有维基百科。
艺术是非常复杂的,它常常反映了丰富的人生经验。当我们在构想一座建筑、一个舞蹈、一幅画作时,我们常常想要塑造一个有凝聚力的、巨大的、坚实的形象。然而,最有意义的挑战是,我们可以通过观察几个世纪以来的艺术,了解我们祖先的生活以及他们所热爱的东西。换句话说,艺术史也反映了整个时代的历史。所以,通过殖民时期的巴洛克风格我们也可以看到,在那个时期,巴西文化与中国文化也有过交汇的时刻。所以说,艺术不仅记录了历史,也记录着我们对生活的创造。