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Maristela Carneiro
É Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea – PPGECCO/UFMT. Docente da Faculdade de Comunicação e Artes – FCA/UFMT, é Mestre em Ciências Sociais e Doutora em História. Coordena o NEC - Núcleo de Estudos do Contemporâneo. Dentre seus interesses, destaque para Estudos de Gênero, Feminismos, Artes e Cultura Visual, Pensamento Decolonial e Epistemologias do Sul.

| DO CONTEMPORÂNEO |

O TRÁGICO FIM DA ARTE?

Todas as narrativas terminam – as mais longas entre elas acabam várias vezes, pois seguem sendo retomadas, reanimadas, revividas, tamanho é o apego que seus criadores e públicos são capazes de desenvolver por elas. Ter uma consciência mais apurada da finalidade da vida e das coisas (seria isso possível?) geralmente nos leva a desenvolver emoções complexas como o desejo, o apreço e a nostalgia. Quando sabemos que algo é finito, isso pode nos gerar ansiedade e melancolia, mas também pode resultar em esperança e alívio. Saber que as coisas terminam nos fascina, e, portanto, finais podem ser encantadores, desalentadores ou decepcionantes, mas também podem deixar marcas e gerar discussões.

Não é por acaso, portanto, que tanto se fale em finais, em incontáveis elaborações teóricas sobre a existência e em títulos chamativos de obras várias. Com frequência nos deparamos com tratados que parecem decretar, antes da primeira página, um encerramento, como O fim da história e o último homem, de Francis Fukuyama, e O fim da história da arte, de Hans Belting. Não é surpreendente, então, que muito já tenha sido falado sobre o fim da arte.
A arte, como tantas outras coisas, é uma narrativa, uma narrativa que todos ajudamos a tecer quando escrevemos ou debatemos entre amigos sobre os filmes, livros, peças e exposições que nos empolguem, que nos repugnem e mesmo que nos deixem em um estado de indiferença. A arte é uma narrativa composta coletivamente, com a qual milhares de narradores contribuem: artistas, críticos, professores, amadores. E, para muitos narradores, é tentador arriscar que, quando a narrativa dominante começa a se transformar e descrever um caminho divergente, é porque ela acabou.
Ao longo do século XX e do jovem XXI, muito se disse sobre como as transformações radicais produzidas pelo nascimento da fotografia, do fonógrafo, do cinema e das tecnologias digitais representavam a morte da beleza, do sublime, da criatividade e da capacidade de conectar mentes por meio dela. Muito se cogitou acerca de como a aurora dos mercados contemporâneos da literatura, dos filmes, das artes plásticas e da música se traduziriam no fim da arte, em sua substituição por simulacros de criatividade, vazios e descartáveis.
Evidentemente, essas micronarrativas omitiram (e omitem, porque elas ainda são replicadas e atualizadas) que obras de arte medíocres e esquecíveis não nasceram no século XX. Lembramos dos nomes de pouquíssimos pintores renascentistas, por exemplo, que foi um fenômeno enorme; de todos os dramaturgos que produziram para as casas de teatro elizabetanas, apenas o nome de William Shakespeare ainda é recordado e celebrado com frequência. De todos os romancistas, biógrafos e poetas que buscaram a atenção dos leitores ao longo de todo o século XIX, um número restrito figura nas aulas de literatura ministradas em escolas e faculdades.
Por outro lado, é inegável que o desenvolvimento da fotografia e outras tecnologias, ao contrário de trazer a morte da arte, permitiram que novas obras brilhantes se manifestassem e novos tipos de artistas se tornassem conhecidos. Talvez a mediocridade tenha sempre sido a norma, e talvez ela não seja um sintoma de uma morte que se avizinha, mas de uma vida longa e repleta de tentativas, uma espécie de algoritmo humano, pontilhado por alguns sucessos retumbantes, que despontam entre inúmeras outras investidas, fatalmente varridas para o esquecimento.
Talvez a arte esteja próxima de seu fim, mas certamente ela já acabou muitas vezes. A palavra latina ars surgiu para designar qualquer tipo de trabalho especializado, semelhante ao que chamamos de “labor”, antes de passar a descrever alguns ofícios, considerados mais criativos e mais capazes de deleitar a mente que outros, antes de descrever coisas que elevam o espírito, antes de descrever um mercado e um mundo sistematizado com atores bem definidos: artistas, críticos, docentes, amadores.
Todo fim é trágico, pois parece ser a imposição definitiva de uma ausência. Mas também é válido notar que, ao menos para as artes, e a cultura de modo geral, são raros os finais que não originam novos começos. Se efetivamente o fim da arte é iminente, acredito que a criatividade encontrará novas e empolgantes formas de se manifestar e nos deslumbrar. Que todo encerramento seja uma convocação para novas aberturas, novas tentativas, novas possibilidades para criar. A arte pode morrer, mas a criatividade humana é perene.

© 2019 - Revista Literária Pixé.

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