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Mário Vargas Lhosa
Ganhador do prêmio Nobel de Literatura, é um dos romancistas e ensaístas mais importantes da américa latina. Atualmente, com 85 anos de idade, Lhosa escreveu, dentre outras obras, os romances Elogio da madrasta (1988), Os cadernos de Dom Rigoberto (1997) e Travessuras da menina má (2006).

ELOGIO DA MADRASTA


(Trecho)

[...] Tirou o roupão, pendurou-o atrás da porta e só de pantufas, nu, foi se sentar no vaso, separado do resto do banheiro por um biombo laqueado com umas figurinhas dançantes em cor celeste. Suas vísceras eram um relógio suíço: disciplinadas e pontuais, sempre se esvaziavam a essa hora, totalmente e sem esforço, como se estivessem felizes de se desembaraçar das apólices e problemas do dia. Desde que, na mais secreta decisão da sua vida — tanto, que provavelmente nem Lucrecia devia conhecê-la de fato —, decidiu, durante um breve fragmento de cada dia, ser perfeito, e arquitetou essa cerimônia, nunca mais padeceu as asfixiantes constipações nem as desmoralizantes diarreias.
Don Rigoberto entrecerrou os olhos e fez pressão, suavemente. Não era preciso mais nada: sentiu de imediato a comichão benfeitora no reto e a sensação de que, lá dentro, nos vãos do baixo-ventre, algo submisso se dispunha a partir e já transitava por aquela porta de saída que, para facilitar a passagem, se alargava. O ânus, por sua vez, tinha começado a se dilatar, antecipando, preparando-se para concluir a expulsão do expulso, para depois se fechar e comprimir, com suas mil ruguinhas, como se estivesse caçoando: “Deu o fora, sacana, e nunca mais vai voltar.” 
Don Rigoberto sorriu, contente. “Cagar, defecar, excretar, sinônimos de gozar?”, pensou. Sim, por que não. Desde que seja feito devagar e concentrado, degustando a tarefa, sem a menor pressa, prolongando, provocando um estremecimento suave e sustentado nos músculos do intestino. Não precisava empurrar e sim ir guiando, acompanhando, escoltando graciosamente o deslizar das moedas até a porta de saída. Don Rigoberto tornou a suspirar, com os cinco sentidos absortos no que acontecia dentro do seu corpo. Quase podia ver o espetáculo: aquelas expansões e retrações, os sucos e massas em ação, tudo nas tépidas trevas corporais e num silêncio vez por outra interrompido por ensurdecedores gorgorejos ou o alegre ventinho de um pum. Ouviu, por fim, o discreto chapinhar da primeira moeda desconvidada de suas vísceras enquanto submergia — flutuava, afundava? — na água do fundo do vaso. Cairiam três ou quatro mais. Oito era a sua marca olímpica, resultado de algum almoço exagerado, com misturas homicidas de gorduras, farinhas, amidos e féculas impregnadas de vinhos e álcoois. Normalmente desalojava cinco moedas; expelida a quinta, após alguns segundos de espera para dar aos músculos, intestinos, ânus e reto o tempo adequado para voltarem às suas posições ortodoxas, era invadido por um íntimo regozijo de dever cumprido, de meta atingida, a mesma sensação de limpeza espiritual que o invadia quando era criança, no colégio de La Recoleta, depois de confessar seus pecados e cumprir a penitência que o padre confessor lhe dava. [...]

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