Marília Beatriz de Figueiredo Leite
É professora fundadora da UFMT, adjunta nível IV; mestre em Comunicação e Semiótica, pela PUC-SP. Ocupa a cadeira nº 2 da Academia Mato-grossense de Letras. Publicou O mágico e o olho que vê (Edufmt, 1982) e De(Sign)Ação: arquigrafia do prazer (Annablume, 1993) e Viver de Véspera (Carlini e Caniato, 2018).
Faz muito tempo quando estive sendo Professora da Universidade Federal de Mato Grosso descobri um dos seres humanos mais envolventes, cativantes e inteligente que conheci, fui muito feliz de ter convivido com ele. Aprendi muito com meu pai Gervásio Leite, Rubens de Mendonça e com esse singular indivíduo. Ele é o João Antonio de Neto da risada gostosa, da facilidade de compreender e do abraço de acolhimento.
Foi dessa convivência que contemplei a beleza da fuga das condições mesquinhas e fúteis do meio. Trabalhou e lutou pelo progresso em todos os campos que atuou. João Antonio Neto é como disse Gervásio Leite “ um ser iluminado, um homem completo, harmônico, livre que por conta disso ensejou a simplicidade. Ele é tão completo que jamais deixou entrever sua erudição, bem como sua constante batalha pelo Bem, pela Arte e pela Cultura. ”
Ao constatar tudo que ele fez quer na Universidade, quer no Tribunal de Justiça ou na Academia Mato-Grossense de Letras é fácil verificar que com referência àquela época e ao ambiente em que viveu ele é diverso da maioria das gentes. Sua postura, sua maneira de falar e o gesto sempre de expressão compreensiva emoldurava a feição do homem eleito.
A sua vitória ou a glória é que ele poderá e pode ser lembrado não como um representante de tempos passados, mas como signo do presente, deste agora com design da eternidade, dessa juventude da genialidade que é de todas as épocas e que se espraia pelos dias.
Aumenta ainda a trilha de sucesso quando conhecemos seu processo de viver observando que até hoje ele cultiva muito mais que os medalhões de hoje ou de antigamente. A honradez, a competência e o trabalho marcam seus passos.
Sua importância e sua força, o modo de ser poeta, sua caneta na justiça, o exercício como docente, seu companheirismo, as lições cotidianas fazem dele um ser de brilho. Sem apontar erudição surgia do recanto de sua generosidade os mais interessantes ensinamentos sejam aqueles cotidianos ou os mais notáveis. Tudo isso revestido na elegância de sua ereta postura que sempre sinalizou sua impecabilidade.
João Antonio Neto não é apenas um intelectual de vanguarda pois ao estruturar signos novos derruba hábitos já fixados em alguns intelectuais de ponta. Desse modo lança novos olhares encontrando assim horizontes até então desconhecidos. Em Banquete de Palavras ele aponta FUTURO como um dos significados “.... Fazemo-lo, fazendo-nos...”
Eis aí o desenho, o esboço do que ele entende por futuro: é o aqui e agora com acento nos nossos gestos e nas nossas ações. O alvo é o horizonte, alcançar depende da mirada. João Antonio Neto laça o futuro em todas suas extensões ou como um tempo para alcançar ou como algo adjetivado= vindouro. Seu trajeto de VIDA é um movimento constante entre o ir (futuro) e o vir, entre a ética e a estética, entre a justiça e a literatura, entre ensinar e apreender. Desse modo, como àquele que aprecia a Filosofia JAN encontra o desvelamento, a Alétheia. O movimento para o desvelar é circularidade pontual que conduz ao começo e fim. E com isso essa articulação leva o coração fundo ao desvelar. E de que trata a linguagem que fala de um coração fundo? É a palavra que brota do invisível, daquilo que só é possível revelar no que há de concentração “em si” como o próprio João Antonio anota: Palavras- utensílio para garimpos. Eis aí a abertura que ele carrega.
Suas construções em todas as áreas têm o peso, o valor e a beleza do OURO, seu fazer é do garimpeiro abrindo fendas para descobertas de tesouros, de trabalhador incansável lapidando as formas auríferas. O lapidar de JAN é possível vislumbrar na obra mais recente Coleção Banquete de Palavras em que bateia cada palavra seduzindo uma outra dimensão significante: “Véu= Que torna a figura mais desejada” “ Chamar= Bebida de água salgada”
Ou nos textos anteriores como em: “Quem dá aos pobres,
Empresta a Deus...
(Algo de muito obscuro!)
E se Deus logo lhes desse,
Não seria mais seguro...? “
A concisão que surge nesses escritos assinala o índice de novas possibilidades de leitura que perguntam sobre as escritas mais antigas retratando desassossego geral sobre os problemas das letras concomitante com uma necessidade de atualização da operação literária. Instaura-se a vanguarda em João Antonio Neto. Seu espirito irrequieto busca novas formas de ser presente “Dasein”. Aquilo que para Heidegger pode “ser em si” a poética dele persegue o desvão entre uma funda reflexão e o chão expressivo da luminosidade ambiente. Pós-vanguarda...
Eis a magia surpreendente no jovem de 100 anos: sempre escavando em busca dos lampejos e no REMANSO ‘...-primeira escuridão do nosso dia,
- derradeiro clarão da nossa noite...’
(Livro de 1982) mostrando o que brota do CORAÇÃO, o signo icônico e a ampla construção que estrutura a escrita e vida deste SER sem Tempo = inesquecível/imortal João Antonio Neto!
Tarde ensolarada de um mês qualquer em 2019.