Marcos Blau
Nascido em Sinop - MT. 24 anos, estuda Direito (UNIC), toca guitarra na Banda Distrito 835, está escrevendo seu primeiro livro e tem um blog: https://sapientiaaboveblog.wordpress.com/
O DEMAGOGO
6:00 em ponto. O despertador toca anunciando o início de mais um dia cheio de bravatas e mentiras. “Maldito seja!” pensa o Demagogo, “O sol nem nasceu e tenho de me levantar. Merda!” Até agora nada anormal, pois está para surgir alguém que goste do horário de verão. Sai da cama, caminha, tropeça em seu sapato, xinga. Vai para o banheiro, e o primeiro êxtase do dia ocorre: o esvaziamento da bexiga cheia, acompanhado de um necessário “AHH!!!”. Lava as mãos, escova os dentes, faz a barba. Está limpo. O café da manhã é completo: pão, ovo, café e banana. Só assim para aguentar a rotina cansativa que possui. Em seguida se dirige ao trabalho. Tranca a porta de casa, liga o carro, dá a ré, dirige o carro.
Chegando ao portão da emissora arruma o cabelo no retrovisor, como de costume, e, logo em seguida, abaixa o vidro do automóvel para conversar com seu Zé, o guarda da empresa. O aperto de mão do Demagogo sempre é firme, para mostrar respeito, e o olhar, fixo no rosto do indivíduo com quem fala, busca transparecer interesse, mesmo que esse seja falso.
Apesar de acordar cedo, o trabalho pelo qual é conhecido na cidade só começa às 11 horas. Até lá, utiliza as redes sociais para interagir com seus fãs, opositores e, também, ler matérias de cunho sensacionalista que foram divulgadas em sua região nas últimas horas. Embora não perceba ele faz isso para manter sua originalidade intacta.
Já próximo ao horário de início de seu trabalho de fato, seu assessor chega com as matérias do dia e também com os personagens, obviamente caricatos, que irão aparecer ao vivo no programa.
– Só o Pastor Divino? Coloca mais uma senhora pedindo comida ou algo do gênero. Você sabe que a audiência vai lá em cima com esse tipo de coisa.
– É que… hoje não veio nenhuma senhora Demagogo…
– Puta que pariu. Não veio ou você não foi buscar? Arranja uma logo porra.
– Tá, ok. Mas me dá uns 10 reais pra gasolina até o local.
– Toma. E agora vai lá.
Logo em seguida chega o Pastor Divino, visivelmente animado com a idealização de novas fraudes. Este sim é um verdadeiro empreendedor tupiniquim.
– E aí Demagogo, beleza? Venho bolando umas ideias interessantes, especialmente para o show de hoje.
– Sério? Fala aí, agora estou intrigado.
– Então, conversei com um amigo meu que trabalha lá no Hospital, e ele conseguiu falsificar um atestado. E não é qualquer atestado: é de AIDS, enfatizou o empreendedor da fé.
– Sim, mas…
– Calma, Calma. Explico: lembra que você estava querendo algo bem sensacionalista e mentiroso?
– Sim.
– Então, esse atestado tá no meu nome, mas eu não tenho AIDS. Só que apenas nós iremos ter conhecimento disso. Nesse momento vai entrar o todo poderoso e seu imenso poder de curar as enfermidades que nem a ciência cura e, assim, basicamente serei um milagre em pessoa!
– Porra Divino, nessa tu se superou. Mas daí o que acontece com quem tá com AIDS, de fato, e acha que pode se curar também?
– Ué, eles que venham pro meu sermão com cartão de crédito com saldo e sem problemas no Serasa que, aí sim, discutiremos a possibilidade, veja bem, de Deus, não eu, estender o milagre para eles também! Isso tudo sem nenhuma burocracia.
– Você é um baita dum filho da puta mesmo...
– Só as vezes!
Os dois colegas de trambiques riram solenemente enquanto os demais funcionários trabalhavam.
Com o início do programa, a primeira matéria foi simplesmente perfeita: menor infrator, terceira passagem por posse de drogas, sujeito conhecido pelas autoridades. Nesse momento ocorre o truque do Demagogo. Ao hipnotizar seus telespectadores, leva-os ao êxtase da irracionalidade com sua retórica vazia de argumentos e cheia de falácias, porém, sabiamente fundamentada no senso comum. Em relação ao menor infrator mencionado anteriormente, seu nome pouco importa pois, no final, tudo chegará há um denominador comum: polícia, cadeia, trabalho, família e igreja. Os 5 fatores usualmente descritos para recuperar a alma em casos como este.
Prosseguindo a função de fornecer informações tendenciosas sem nenhum escrúpulo, o Demagogo recebeu o telefonema de seu padrinho político, o prefeito Egos Maximus. O político disse que iria visitá-lo, e gostaria de falar à população por meio de seu programa, que é ao vivo. Na realidade, o programa não é dele, do Demagogo, mas sim financiado pela emissora cujo dono é primo do prefeito Egos. Por via das dúvidas, contudo, fingiremos que tudo isso é mero acaso e o editorial da empresa de comunicação nada tem a ver com as maquinações do político em questão.
Trinta minutos após a ligação o prefeito chegou.
– Opa, e aí Demagogo, tudo bem? Como vão as coisas? Fiquei sabendo que o seu filho Felipe voltou a cheirar.
– Pois é, o Filipinho não toma jeito. Já tentei de tudo, até mesmo falar com o Pastor Divino. Nada resolve. Mas, enfim, o que te traz aqui com essa pressa? Fala rápido porque só temos mais dois minutos de intervalo.
– Tudo bem. Tudo bem. Assim, tu sabe a minha situação com a oposição nessa cidade, certo? Vivem divulgando mentiras sobre mim e minha família, aí tenho que usar o que está ao meu alcance para desmenti-los.
– Sei. Os caras não tem pena nem mesmo de um cidadão de bem como o senhor. Mas o que eles falaram desta vez? É sobre o postinho superfaturado ou sobre o problema daquele maldito aeroporto, que nunca está pronto?
– Esquece esse postinho Demagogo, é sobre o aeroporto mesmo, graças aquele vereador que não me respeita. Hoje em dia é tudo assim, um bando de mal-educado, e a juventude perdida no mundo da fornicação e das drogas… opa, desculpa, o Felipinho vai sair dessa, vai sim, tenha fé.
– Ah, isso eu tenho, e muito! Acho que hoje vai dar pra disponibilizar um bloco inteiro do programa só pra você. Satisfeito?
– E como estou! Obrigado Demagogo, sabia que poderia contar com você. Qualquer coisa que tu precisar, só me dá um toque.
– Ok. Sem problemas.
Após a aparição do Exmo. Sr. Prefeito Egos Maximus, o programa encaminhou-se para o término, mas não sem antes ocorrer uma sessão de puxa-saquismo em seu estado mais bruto, aquele típico estado que chega a causar vergonha alheia aos demais presentes. É o momento que ocorre o envio de abraços a todos os telespectadores e também aos empresários que sustentam o caixa do programa, dentre outras coisas, já não tão republicanas.
Ao sair da emissora, o Demagogo conversa mais um pouco com o seu Zé combinando a pelada do fim de semana, que intencionalmente não irá comparecer, e se despede com um caloroso aperto de mão para fingir se importar com o pobre senhor. “É tão bom chegar ao fim de mais um dia de trabalho”, reflete em seu carro, regozijando com a sensação de dever cumprido. Como ápice do programa elege a intervenção do Pastor Divino, quando ele clamou por perdão e logo em seguida iniciou um Pai Nosso ao vivo. “Memorável, simplesmente memorável!”, pensa o Demagogo. Assim se encerra, às 14:00, mais um dia cheio de bravatas e mentiras na vida do Demagogo, pois tudo a partir desse horário até o toque do despertador anunciando um novo dia é insignificante.