Marcelo Labes
(1984) É natural de Blumenau e reside em Florianópolis-SC. É autor, dos romances Três porcos (Caiaponte, 2020) e Paraízo-Paraguay (Caiaponte, 2019) e dos poemas de Enclave (Patuá, 2018).
o primeiro homem que amei
foi meu pai - seu cabelo ondulado
seu relógio no pulso seus braços
carregados de força e sujeição
outros vieram, porém
: o chefe do trabalho que
morreu com um tiro na cara
: o pintor de rua que morreu
de infarto
: o pai de uma ex-namorada
hoje meu grande amigo
amei-os pelos homens que eram
mas eram apenas homens
o último homem que amei
foi meu pai - seu olhar de terror
e graça, sua voz comida pelo câncer,
nossa eterna conversa feita de
olhares, calares
amor e fumaça.
retirar do poema a palavra pai
e construir com outras palavras
outros poemas - assim o pai não
perde o sono e não me olha
como se pedisse afogamento.
retirar do poema a palavra pai
e substituir por outras: vento,
fogo, foto, circo, relógio dourado.
retirar do poeta a palavra pai
para deixar no lugar a areia fina
duma praia baiana, o encontro
das águas dos rios amazônicos,
a tristeza-neblina do rio de janeiro.
retirar do poema a palavra pai
e deixar em branco o poema
retirar palavra por palavra
assim o pai dorme direito e não
me olha como se pedisse água
: o copo nas mãos e a dúvida.
retirar do poema também a palavra
dúvida.
retornar à folha em branco,
ao início repentino de tudo,
ao fim que soa sempre a
reencontro.
retirar do pai a palavra poema
: talvez seja esse o procedimento
mais justo.