Mar Becker (Marceli Andresa Becker)
Nasceu em Passo Fundo/RS. Tem formação em Filosofia e Especialização em Metafísica e Epistemologia. Em poesia, publicou duas plaquetes, uma pelo Centro Cultural São Paulo, Coleção Poesia Viva (2013), e outra pela Editora Quelônio, Coleção Vozes Versos (2017). A mulher submersa (Urutau, 2020, edições no Brasil e em Portugal) é seu livro de estreia.
I
educar os olhos. cegá-los
aprender tudo pelo mar, que espelha o céu, que não tem fim
deus é a terceira margem
a partícula de sal, o grão de areia
os chineses colocavam pérolas nas bocas dos seus mortos, para que fizessem boa travessia
no mar de eternamente, da pérola de eternamente, o barco não cessa de partir. perde-se, reencontra-se
em tudo, a impermanência
em tudo, o incapturável sonho de chuang-tzu
(numa borboleta de asas transparentes)
viver é olhar um segundo de mundo através de uma asa
II
“vento sobre vento”
assim diz o i ching, no hexagrama 57
li esses dias que o i ching é um dos livros mais antigos da humanidade
três mil anos de existência, talvez até mais
o nome “livro”, diz-se que vem do latim, “liber”. também daí vem “libélula”
na palavra, o silêncio
o ideal de um livro é que seja escrito numa asa
III
uma estação que se vai
as janelas semiabertas, as casas, a chuva
o céu sob o céu, na água, em passagem
um fim qualquer
um começo
as cinzas dos nossos mortos espargidas
o pó que se espalha no voo
da mariposa