Dra. Helenice Joviano Roque de Faria.
Possui graduação em Letras pela Universidade Vale do Rio Doce (1998), graduação em Espanhol - Apostilamento pela Universidade Federal de Mato Grosso (2011), Mestrado em Linguística pela Universidade do Estado de Mato Grosso (2014), Doutorado em Linguística pela Universidade de Brasília (2019). É professora efetiva da educação básica na E. E Tiradentes de Sinop/MT, docente da Universidade do Estado de Mato Grosso (Campus de Sinop/MT) e colaboradora do Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu em Letras (PPGLETRAS). Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Linguística e atua, principalmente, nos seguintes temas: Leitura, Letramentos, Formação Docente, Letramento Racial, Educação Linguístico-literária Antirracista. É administradora do canal palavrasEMmovimento no You tube.
Ma. Claudia Miranda S. Moura Franco
Possui graduação em Letras Pelas Universidade Estadual de Goiás (2007), Mestrado em Literatura pela Universidade Estadual de Mato Grosso (2021). É pesquisadora e atua como Presidente do Coletivo Negras Mato-grossenses. É uma das ministrantes do curso de extensão CREDITA UNEMAT: Trajetórias Escolares e Acesso ao Ensino Superior. Integrante do Grupo de Pesquisa Outrora Agora: A Metaficção Historiográfica na Literatura Brasileira Contemporânea. Integrante do Grupo de Estudos e pesquisas em Literatura (GECOLIT): Grupo de Estudos Comparativos de Literatura: tendências identitárias, diálogos regionais e vias discursivas.
(RE)EXISTÊNCIAS NA/PARA A EDUCAÇÃO ANTIRRACISTA EM MATO GROSSO
O século XXI exige que histórias sejam reescritas. E não são poucas, pois as narrativas contadas carecem de uma nova lente, de outras perspectivas decoloniais que questionem e tencionem o que, há muito tempo, apresenta-se normatizado.
Há tempos, temos empreendido maneiras de (re)pensar o significado sobre o que é “ser negro no Brasil”. Em nossas práxis antirracistas, somos cercadas de muitas inquietações e, diariamente, somos induzidas a perguntas, tais como: De que maneira a literatura negra alcança seu devido espaço nas escolas mato-grossenses? O ensino de língua(gem) utiliza-se de literaturas que represente os povos negros?
Observamos, pela voz da branquitude, um tremendo retrocesso na discussão acerca das posições antirracistas no país. Por isso, empenhar-se pela reescrita da história literária sob outras perspectivas nos leva a enxergar que a escrita de/sobre negros e seus descendentes revela uma potência geradora de outro olhar e de outros sujeitos.
Sem dúvida, os estudos que consideram os aspectos culturais de nossa produção literária ainda são recentes. A cultura como elemento de pesquisa subsidia a crítica literária em que “miscigenados”, neste caso, o negro e o indígena, formam simbolicamente “os de baixo” em um sistema de significações embrenhados na marginalidade.
Entretanto, salientamos, consoante Santos e Wielewicki (2009, p. 336), que a presença dos negros na literatura brasileira, ainda indica apenas a tentativa de traçar a cronologia da escrita e, muitas vezes, resume-se à identificação das representações nos textos considerados oficiais ou em obras canônicas de autores nacionais.
Para as autoras de Literatura de Autoria de Minorias Étnicas e Sexuais,
A representação do negro na literatura desde seu início foi apagada. É como se os negros, forçados a cruzar os mares como escravos, tivessem deixado na costa africana todos os seus sistemas, formas, elementos e práticas culturais religiosas (SANTOS; WIELEWICKI, 2009, p. 343).
Não por acaso, lembramos da pensadora feminista Bell Hooks (2019) em sua obra “Olhares Negros” ao oferecer-nos o capítulo “Amando a negritude como resistência política”. A autora aponta que devemos ser faróis a impulsionar o amor pela negritude e se posicionar, assumir-se, tornar-se sujeitos de sua história. Esse ato de resistência é “tão ameaçador, uma brecha tão grave no tecido da ordem social, que a punição é a morte” (HOOKS, 2019, p. 39).
Logo, entendemos a literatura tanto como representação das ações e das transformações humanas quanto uma ferramenta que pode engajar o leitor à criticidade, a ponto de romper com as ideias tradicionalistas e problematizar os temas sensíveis na sociedade. Por esse caminho, podemos acompanhar as mutações socais, compreender os movimentos das minorias não apenas como margem, mas como voz transperiférica.
É de Antonio Candido o conceito que considera a escrita literária como a “possibilidade de “dar voz”, de mostrar em pé de igualdade os indivíduos de todas as classes e grupos, permitindo aos excluídos exprimirem o teor de sua humanidade, que de outro modo não poderia ser verificada (CANDIDO, 2004, p. 11).
Por conseguinte, cabe entender que a expressão referida lembra humanidade por parte da escrita literária no que tange à literatura de escrita negra. Isso somente representará efeito quando protagonizada por negros no sentido de “colocar em cena “a dor da cor” ou a “dor da raça”, de acordo com Amador de Deus (2020, p. 42).
Para a referida teórica, o termo “raça” abrange um conjunto de relações sociais, nas quais reconhece-se a necessidade de distinguir que “as dinâmicas raciais têm suas próprias histórias e são relativamente autônomas, e envolvem classe, gênero, realidades coloniais e pós-coloniais (AMADOR DE DEUS, 2020, p 59).
Desconstruir imagens e discursos tão enraizados entre nós, significa trazer à arena dos debates literários os textos de experiência, cunhados na expressão de Conceição Evaristo: “o vivido e o escrito”.
Assim, afirmamos que o negro, ao registrar suas histórias, vivencia o premeditado ato de traçar uma “escrevivência” (EVARISTO, 2011). Sem manipulações, a experiência do autor negro traz, nas reflexões, as histórias vividas, as oralidades, enquanto linguagem do corpo e da experimentação.
Os negros vistos não mais como objeto e, sim, como sujeitos de suas ações. Contribuições edificadas per si, de representatividade, nas condições produzidas e representadas a partir da expressão de realidades concretas.
E se considerarmos que vivemos em uma sociedade em que o racismo está escancarado, mas as discussões limitadas, a resposta eficiente é impulsionar a materialização das produções literárias de autoria negra.
O espaço literário, enquanto libertário, permite a (re)existência do corpo e a voz negra e desconstrói a ideia de que cabe ao negro os tradicionalismos e as simbologias de ideais colonizadores. Esse espaço (re)cria a imagem do negro e, por consequência, exclui posicionamentos que não cabem mais neste século: a colonização do corpo negro.
A literatura negra se exprime, então, por meio de articulações sensíveis nas quais a condição essencial é a existência de um ser antes não existente, que se vale do intelecto e da própria essência ao promover e produzir arte.
Pensar a Literatura como prática antirracista é preciso. Porém, é fundamental compreender que no vazio teórico podemos construir um caminho viável de desconstrução de estereótipos e consolidação da negritude, firmada no tripé linguagem/memória/social, opondo-se ao lugar da margem e assumindo o centro de suas histórias, uma questão de protagonismo.
Só assim, reconheceremos as conexões que nos ligam para além dos navios negreiros, à tradição de um povo culturalmente rico e diversificado na/pela linguagem e assim (re)construiremos espaços centrais e não periféricos à literatura negra.
Referências
AMADOR DE DEUS, Zélia. Ananse Tecendo Teias na Diáspora: uma narrativa de resistência e luta das herdeiras e dos herdeiros de Ananse. Belém: Secult/ PA, 2019.
AMADOR DE DEUS, Zélia. Caminhos trilhados na luta antirracista. 1° ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2020.
CANDIDO, Antonio. O direito à Literatura. In: CANDIDO, Antonio. Vários escritos. 4. ed. São Paulo: Duas Cidades, 2004.
EVARISTO, Conceição. 1946- Becos da memória [livro eletrônico] / Conceição Evaristo. 3. ed. Rio de Janeiro: Pallas, 2006.
HOOKS, bell. Olhares negros: raça e representação. São Paulo: Elefante, 2019.
SANTOS, Célia Regina & WIELEWICKI, Vera Helena Gomes. Literatura de autoria de minorias étnicas e sexuais. In: BONNICI, Thomas; ZOLIN, Lúcia Osana (orgs.). Teoria Literária: Abordagens históricas e tendências contemporâneas. 3. ed. Maringá: Eduem, 2009.