Luciene Carvalho
É escritora e poeta. Publicou Conta Gotas: Sumo da Lascívia, Aquerrale ou o livro da Madalena”; Porto: Cururu e Siriri do Rio Abaixo” (Instituto Usina); Caderno de Caligrafia (Cathedral); Teia (Teia 33); Devaneios poéticos (EdUFMT); Insânia (Entrelinhas); Ladra de Flores, Dona e Na Pele (Carlini & Caniato). Parte importante do seu trabalho, como declamadora, se faz em shows poéticos em que une figurino, efeitos cênicos e trilhas musicais para oferecer sua poesia viva e colocá-la a serviço da emoção da plateia. Luciene ocupa a cadeira nº 31 da Academia Mato-Grossense de Letras.
VOZ DA PELE
Faço estes poemas
pra falar com os meus,
pra ter uma conversa franca
que conte a opressão
nesta pele que não é branca.
Faço estes poemas
pra falar com os pretos
que resistem e sobrevivem
em toda forma de guetos.
Faço estes poemas
porque é urgente
que eu celebre
minha poesia
com minha gente.
Faço estes poemas
pra falar da cor
da pele e do preconceito,
pra falar do horror.
Faço estes poemas
porque nunca fiz,
porque nunca quis
abrir essa comporta.
Mas, hoje, isso importa.
Faço estes poemas
para dar voz
a mil gritos calados
por grilhão atroz.
Faço estes poemas
para descansar,
pois estou exausta
de tanto calar.
E, agora, me ouvirão cantar.
O ROLÊ
O guri deu bença pra mãe,
pegou a bicicleta,
foi dar um rolê.
Moleque
mal tinha feito dezessete.
Limpava quintal,
sonhava
jogar futebol,
curtia internet;
de todo assunto
queria saber,
queria curtir
E naquela sexta
foi dar um rolê,
mas deu foi azar:
antes de chegar
na casa da tia,
enquanto brincava,
enquanto corria
na onda da bike,
veio a viatura
e lhe deu um baque
mandando encostar.
Tentou explicar.
Explicar o quê?
“Vam’bora neguim,
ladrão vagabundo!”
O soco foi fundo
no pé da barriga.
Parecia briga,
mas era tortura...
Jogado no mato,
sem pé de sapato,
sem bike ou por quê,
o guri é corpo
sem vida, está morto.
E ele queria
só dar um rolê.