Lourença Lou
Às vezes é prosa, outras poesia, sempre encantada com quem faz literatura. Formada em Letras pela UFMG, continua sendo aprendiz de viver. Faz parte de várias coletâneas de poesia, crônicas e contos, e várias vezes foi publicada no Livro da Tribo. Pela Editora Penalux, publicou “Equilibrista” (2016), “Pontiaguda” (2017), “Náufraga” (2018), todos de poesia. Ainda este ano publicará “A face oculta do amor e outros contos”.
QUANDO A VERDADE É GRANDE DEMAIS
Uma alegria tonta acompanhava o bambolear dos quadris. Seus pés, sempre pregados no chão, pareciam querer experimentar as nuvens. Dois anos de trabalho duro coroados por uma promoção inesperada. Desceu a rua como se ouvisse Roberto Carlos cantando para ela. A casa dormia tranquila, acostumada à sua ausência. Faria uma surpresa ao marido: nunca mais as noites se alongariam naquele vai-e-vem das máquinas de tecelagem, nunca mais ele reclamaria da cama vazia. Passou no quarto do filho, deu-lhe um beijo e saiu silenciosamente para o banheiro. Olhou os seios no espelho: ainda rijos e convidativos. Uma excitação nova lhe corria pelo corpo, deixando-a úmida. Quase não sabia mais o gosto de fazer amor olhando a lua pela janela. E mal e mal o gosto de fazer amor. O sexo entre eles era pura logística. Ele apressado para o trabalho. Ela cansada se esticando na ponta dos pés, a água do chuveiro se misturando ao silêncio de suas lágrimas. Saiu do banheiro, ajeitou os cabelos e abriu vagarosamente a porta do quarto. O raio de luz do corredor entrou antes dela e brilhou sobre uma cabeleira vermelha. Um corpo nu, bronzeado e largado em seu lado da cama. Coração disparado, ficou a olhar as pernas grossas e as minúsculas marcas de biquíni. Fechou novamente a porta. Não havia pensamento, apenas dor. Encostou-se na parede e deixou-se desmoronar. Inconscientes, as lágrimas desceram. Nenhum som, apenas o sal da tristeza. Do quarto, o ressonar tranquilo dos desejos saciados. Viu-se espectadora de sua própria imaginação. As mãos do marido deslizando por um corpo mais jovem e mais farto que o seu. Os lábios grossos brincando nos pelos – seriam também vermelhos? Sentiu a dor penetrar-lhe o sexo ao pensar nele sobre a outra, como há anos não fazia com ela. Pensou em entrar lá, puxá-la pelos cabelos e expulsá-la de casa. Depois, olhar nos olhos do marido e jogar os dados: perder ou ganhar. Imaginou-o arrependido pedindo-lhe perdão. Perdoaria, mas tinha certeza: ele perderia definitivamente o respeito por ela. Talvez até ficasse mais fácil ocupar seu lado na cama. Mas que outra opção teria? Imaginou-se com a mala em uma mão e o filho na outra, vivendo sabe Deus onde. A casa era alugada, os móveis não aguentavam mais mudanças. Lembrou da mãe dormindo no quartinho dos fundos e imaginou-a num asilo. A promoção perdeu todo o brilho na incapacidade de resolver seus problemas. Uma dor funda e a respiração ficou suspensa. Havia outra opção. A única que manteria sua aparente dignidade. Soltou o ar dos pulmões. Levantou-se lentamente e foi para o banheiro. Lavou o rosto, olhou o relógio: ainda faltavam cinco horas para sua chegada habitual. Vestiu-se e saiu. Subiu e desceu todas as ruas que encontrou. Às sete horas, abriu a porta fazendo barulho. Queria exorcizar o medo de encontrá-la ainda em sua cama. O marido estava no banho e o filho ainda dormia. Exatamente igual a todos os dias. Exatamente igual a todos os dias, ela foi para a cozinha colocar no fogo a água do café. Entreabriu a porta do banheiro e com um sorriso dolorido mandou-lhe um beijo e explicou por que não transariam: dor de cabeça. Fora uma noite de muito trabalho. Nenhuma reação dele. Seu coração falhou uma batida. Deveria exigir que ele lhe fizesse sexo oral e deixar-se morrer e reviver no gozo até limpar aquela mágoa que a dilacerava. Mas não tinha mais forças. Nem para odiá-lo. Tomou uma xícara de café e preparou-se para lavar as louças, limpar a casa e lavar as roupas dele. Era dia de levar a mãe ao médico e enfrentar a fila da farmácia popular. Aguentaria. Se Deus ajudasse, dormiria depois de levar o filho à escola. E aquela dor que lhe partia ao meio? Seria apenas mais um dos seus muitos segredos. Ninguém saberia dela. Nem ele, nem a mãe, nem o filho. E se fizesse um grande esforço, nem mesmo ela.