Lorenzo Falcão
“Nasci inexplicavelmente para ser poeta”, reconhece Lorenzo Falcão na breve biografia que acompanha “mundo cerrado” (assim mesmo sem maiúsculas por opção do autor). “O cerrado é meu lar e a poesia, o meu mundão sem porteira”, conclui o jornalista, que nasceu em Niterói (RJ), mas cresceu em Mato Grosso, “entre barrancos, pedras e sombras”, e trabalha há muitos anos como jornalista na área de cultura.
PROCURA-SE
Procura-se um conto pequeno. Ou crônica. Se ficar difícil definir entre crônica e conto, tanto da parte de quem procura, quanto de quem oferece, não tem importância. Que escrito seja o texto, e vale dizer que não há espaço pra romances, embora infinitas sejam as dimensões do reino literário, conforme preconiza a ditadura virtual.
Tem que ser conto, ou crônica. E está possibilitada a hibridez desses dois estilos de textos. É pra publicar num espaço virtual onde o editor ameaça e amealha. Utiliza-se do estelionato com notas fiscais inimagináveis, remetidas aos endereços eletrônicos de seus pobres-coitados colaboradores, entre marias das dores, auxiliadoras e dolores.
A edição urge em ser fechada e escribas precisam se desdobrar, até mesmo aproveitando fiapos domingueiros e feriados. E não tem e nem vem com tempo de validade. Há dúvidas sobre a exatidão cronológica, por causa do horário de verão que se foi, mas que ainda está impregnado na cabeça de quem busca este conto ou crônica.
Não precisa ser nenhuma beldade literária, basta apenas se enquadrar na categoria do jornalismo bem feito. Não há como exigir muito a esta altura dos acontecimentos. E nem há a garantia da publicação. O editor é carrasco e apenas procura uma crônica. Ou um conto.
Não há recompensa nenhuma para o autor, mas compensa, sabemos, embora não haja condições de qualquer tipo de esclarecimento que comprove a compensação. Há apenas uma nota, coisa promissória, no e-mail de quem carambola.
É preciso que essas palavras sejam formatadas em pequenos parágrafos, de uma lauda e mais meia, no máximo, de extensão. E que se apresentem antes da pizza solicitada pelo telefone. Há uma corrida contra o tempo, porque no dead line tudo vai terminar em pizza. E o conto, ou crônica, tem de ser a entrada desta refeição, jamais a sobremesa.
Procura-se quase que desesperadamente esse texto. Essa gente vitimada por essa intimação vernacular deve se apressar, já que quem solicita vai logo informando que não há receita que garanta a qualidade dessa crônica, ou conto. E não será permitida, em hipótese alguma, que qualquer pretenso autor, peça para apenas começarem o seu texto, procedimento comum entre estudantes adolescentes, quando o professor ou professora ordena que uma redação seja feita.
Não há regulamento completo e, infelizmente, nenhum link adicional (ou sequer telefones disponíveis), onde os pretendentes a cronistas ou contistas venham a obter mais informações. Procura-se um conto, ou uma crônica. Qualquer um que seja, que venha... crônica ou conto.
Pior de tudo e de uma ruindade única é a boataria. A conversação que aflora na maldição das mídias sociais. De acordo com ela, pelos espaços públicos da cidade serão postados cartazes impressos em preto e branco, em papéis de qualidade duvidosa, ostentando com letras garrafais, no topo... “PROCURA-SE”.
Nesses cartazes a imagem dos devedores e devedoras, que não encaminharem sua crônica ou conto ao algoz, aqui e agora classificado como facínora literato, sujeito biltre e manipulador, orden(h)ador das letras de outrem; será reproduzida impiedosamente.
Eu mesmo, portador de uma pobreza coitada, preboste da fecundidade letrada, já antevejo minha imagem estampada em postes e outras plataformas de logradouros públicos, reproduzido como procurado e caracterizado como aquele que escreve e diz o que bem entende.