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Lorenzo Falcão

“Nasci inexplicavelmente para ser poeta”, reconhece Lorenzo Falcão na breve biografia que acompanha “mundo cerrado” (assim mesmo sem maiúsculas por opção do autor). “O cerrado é meu lar e a poesia, o meu mundão sem porteira”, conclui o jornalista, que nasceu em Niterói (RJ), mas cresceu em Mato Grosso, “entre barrancos, pedras e sombras”, e trabalha há muitos anos como jornalista na área de cultura. 

BICHOS PAPÕES

“sucuri pega a gente no paredão”
vovó mita entoava 
a canção de ninar de terror.
mas isso é tempo passado
na distante infância.

 

cobra cigarra é bicho perigoso
e borboleta, se farfalhar no olho nosso
deixa a gente cego.

ah... e tem mais:
“num presta montá no catchorro
e nem pelotiá joão-de-barro”

fico pensando nesses ensinamentos
que o tempo vai devorando. 

os vilões que conheci na meninice
das aventuras bucólicas
se tornaram bichos papões
com datas de validade vencidas.

vida rural hoje é outra coisa,
outro negócio:
agro é tudo, agro é vida
e tóxico é remédio

NÃO SEI BEM

toco pedra pedregulho
capim sol arame farpado
beira de estrada e entulho
e a ema solitária
no seio da monocultura

não sei bem o que dizer
do nosso pedaço planeta
encravado neste cerrado
sem mais boi da cara preta

não sei bem como viver
ver paisagem desértica
tanta e fico tonto em sol
em lua e sombra ética

não sei bem como ver
animais carniças nos caminhos
e o rumo futuro das araras
rareando lugares ninhos

não sei bem como escrever
agora mais triste e velho
o verso que desejaria
sem o retrovisor do espelho
do passado

pedra pedregulho toco
sol arame farpado capim
e na minha cara um soco
porrada mesmo
é só isso e só assim

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