Lorenzo Falcão
“Nasci inexplicavelmente para ser poeta”, reconhece Lorenzo Falcão na breve biografia que acompanha “mundo cerrado” (assim mesmo sem maiúsculas por opção do autor). “O cerrado é meu lar e a poesia, o meu mundão sem porteira”, conclui o jornalista, que nasceu em Niterói (RJ), mas cresceu em Mato Grosso, “entre barrancos, pedras e sombras”, e trabalha há muitos anos como jornalista na área de cultura.
PASSANDO A MÃO*
vamos passar a tropa em revista
catar coquinhos no asfalto
até aonde alcança a vista
e o paladar da língua
vamos passar a vida a limpo
em poucos minutos
paparicando o tempo
com aquilo que sinto
têm horas que não sinto nada
têm horas que sinto muito...
de qualquer jeito
a utopia brada
o horizonte se afasta
vamos passar o pano
nas letras que caíram no chão
e na cabeça do leitor
vamos passar a mão
sejamos apenas verdadeiros
e nada políticos (nem polidos)
vamos passar a tropa de poetas
em revista. E, mesmo fodidos,
não vamos passar a mão
no dinheiro público
*escrito especialmente para a primeira edição Pixé
INFÂNCIA
derrubado em rede no seio do pomar
li dos seus versos enquanto
na sombra da mangueira.
sob o alvoroço dos periquitos
para as mangas maduras
e o sinimbu furta cor,
meu cenário e trilha sonora.
balangando devagarinho na rede
em gesto poético.
procurador de ventinho bom,
versos aconchegantes
e da manga perpitola:
homem maduro.
fosse eu moleque rural
a brincar no cerrado
estaria peloteando casa de marimbondo,
ou talvez, menos ainda mais,
malemazinho:
cagando de cima da mangueira
pra que os porcos
viessem comer minha merda.