Klaus Henrique Santos
Reside em Sinop-MT e é membro da Academia Sinopense de Ciências e Letras (ASCL), nela ocupando a Cadeira 10, cujo patrono é Jack Kerouac. Bacharel em Comunicação Social - Jornalismo. Publicou Páginas da Escuridão (2012), Enfim, a estrada (2014), Horror & Realidade: contos (Carlini & Caniato Editorial, 2015), No Compasso da Loucura (Carlini & Caniato Editorial, 2017) e A poesia mora no bar (Carlini & Caniato Editorial, 2018).
ESSÊNCIA DA POESIA
O bar permanecia na penumbra, mas tudo mudou quando uma bela moça loira chegou. Estava sozinha; sentou-se em uma mesa próxima. Pediu um mojito.
Ela tinha um brilho especial, que prendia o meu olhar. Estava ao telefone com alguém, sorrindo. Quando desligou, pegou um guardanapo e anotou alguma coisa. Decidi me aproximar, mas não sem antes entornar o resto da cerveja e também pedir um mojito.
Perguntei se poderia me sentar. Ela assentiu. Assim que me acomodei na cadeira, propôs um brinde com os mojitos. Disse-me que aquela era a sua bebida preferida e menti dizendo que também era o drinque mais apreciado por mim. Não poderia dizer-lhe que enxugava dezenas de cervejas todos os dias, ultimamente. Se houvesse tempo, talvez ela descobrisse e ficasse, mas não acreditei realmente nisso.
A nossa conversa fluiu espontaneamente e falamos dos sentimentos humanos, pelo menos do que acreditávamos saber do alto de nossa inocência. Os garçons vinham repor os mojitos e me faziam sinais de aprovação. Não creio que ela tenha percebido, mas eles gesticulavam uns para os outros e apontavam para nossa mesa. Eram bons amigos e perceberam a minha felicidade na presença daquela menina. Talvez eles também sacassem as boas vibrações que ela emanava.
Vivian era maquiadora. Atendia personalidades influentes e trabalhava com manipulação de diversas energias, mas permanecia fiel às suas virtudes. Feito um anjo irradiando luz, não hesitava em amparar quem lhe pedisse ajuda, mesmo que não lhe demonstrassem isso com palavras.
Disse-lhe por fim que era escritor. Ela riu e aquilo me encantou. Educadamente, provocou-me para que recitasse alguma poesia de minha autoria. Infelizmente, meus escritos não são tão doces quanto você, respondi-lhe. Vivian ficou ruborizada, mas insistiu para que eu provasse ser de fato um escriba.
— Vamos lá, escriba — disse, olhando-me fixamente e sempre mantendo aquele sorriso angelical e excitante ao mesmo tempo.
Tirei o bloco de anotações e lhe apresentei os últimos contos. Apesar da decepção inicial com a minha letra ilegível, ela se mostrou maravilhada. Folheou até encontrar uma antiga anotação que falava sobre cerveja e descobriu ser aquela a minha grande paixão. Revelei que aquilo era um esboço que nunca terminara, mas talvez um dia o concluísse. Subitamente, Vivian tirou uma caneta da bolsa e começou a anotar, riscar palavras e suprimir frases inteiras. Para o meu espanto, arrancou aquelas folhas e passou a limpo a nova versão. Permiti que ela o fizesse. Havia plena confiança e isso não era fruto do sexto mojito. Aliás, desde o terceiro, comíamos a hortelã após a bebida ser sugada para nossas mentes.
As palavras que ela escrevia tornavam-se douradas feito o mais puro ouro. Tirei os óculos embaçados, mas aquele brilho ainda estava ali, cada vez mais intenso. Entregou-me para ler. No íntimo, senti uma pontada de dor, mas isso só me deixou mais ansioso. Deparei-me com a essência da poesia. Cada palavra lida decolava do papel e formava sua representação, que mudava de forma na medida em que tocava meus pensamentos e com eles interagia.
Quando terminei de ler, só havia os meus garranchos no papel. A indescritível experiência pela qual passara representou-me o êxtase do prazer e me levou ao nirvana. Vivi com aquela menina a essência da poesia.
Vivian já não estava na mesa. Olhei ao redor, procurando-a, mas não a encontrei. Era um anjo que passou para um drinque e se foi, concluí. Porém, na esperança de que um dia voltasse, comecei a rabiscar uma nova história para, quem sabe, poder lhe mostrar: “Às vezes, o meu surrado bloco de anotações é acariciado por mãos mágicas que fazem as palavras se tornarem-se luz”.