Klaus Henrique Santos
Reside em Sinop-MT e é membro da Academia Sinopense de Ciências e Letras (ASCL), nela ocupando a Cadeira 10, cujo patrono é Jack Kerouac. Bacharel em Comunicação Social - Jornalismo. Publicou Páginas da Escuridão (2012), Enfim, a estrada (2014), Horror & Realidade: contos (Carlini & Caniato Editorial, 2015), No Compasso da Loucura (Carlini & Caniato Editorial, 2017) e A poesia mora no bar (Carlini & Caniato Editorial, 2018).
A BRUSCHETTA MALDITA
Não há motivos para acreditar nas palavras de quem é tido como bêbado, mesmo quando está sóbrio. Preferi registrar aqui algo que testemunhei acontecer diante dos meus olhos, algo que gritei, bradei a todos, mas não acreditaram. Digo-lhes, sem rodeios, que meu amigo músico, D.B., foi engolido por uma bruschetta. Ele pretendia comê-la, mas o inverso aconteceu. Meu regozijo, porém, é saber que em seguida, a bruschetta maldita foi engolida pelo gato Tarantino.
Estava no bar há meses, decompondo-me junto ao balcão, tomado pelo mau cheiro e prestes a brotar feito uma árvore. D.B. se apresentaria naquela noite e foi o primeiro a chegar. Passou perto do balcão e, indiferente à minha presença, serviu-se de copo de chope. Uma porção de bruschettas picantes o aguardava. Talvez uma manifestação divina ou exatamente o contrário.
Enquanto degustava, olhou-me e piedosamente me estendeu uma das bruschettas. Recusei-as prontamente e ele insistiu, dizendo que qualquer dia eu cairia morto por cima do balcão. O alcoolismo me levara vários quilos.
Querendo vangloriar-se de sua boa forma, D.B. tirou um dos sapatos de motoqueiro que usava. Dentro da meia havia uma cebola que, segundo ele, estava sugando toda a sua negatividade. Isso era um hábito antigo na província, pelo que me lembro. Ele sorriu e gargalhou em êxtase, mas o forte cheiro me alertou para algo maligno pairando à nossa volta. D.B. ria freneticamente e expelia dezenas de migalhas da bruschetta, que se juntaram à cebola. Uma imensa bruschetta surgiu de seu pé direito e lhe engoliu a perna, avançando para o resto do corpo em seguida. Seus gritos então eram de dor e até hoje ecoam em minha mente. A bruschetta se expandiu, engoliu D.B. por completo e, numa fração de segundos, retornou ao seu tamanho original e caiu no chão onde outrora meu amigo apoiava seu pé direito. Fiquei paralisado por uma porção de tempo que não sei precisar. Despertei quando Tarantino passou entre minhas pernas. Olhei para baixo e o vi se refestelando na bruschetta que havia engolido D.B. Após comer, o gato voltou para o alto de sua janela, de onde observava todo o bar.
D.B. não se apresentou naquela noite e nem nas seguintes. Seu desaparecimento foi noticiado, mas sequer levaram meu depoimento a sério. Também cheguei a duvidar do ocorrido, mas o fato é que continuo no mesmo banco junto ao balcão e observo atento às formadas de bruschettas, na vã esperança de reencontrar o meu amigo.