Karine Bassi
É escritora mineira, publicou as obras Afrogênese; Livro de História; Entulho de Rosas – no gênero poesia; Sob o Caminho uma Rajada de Ventos – Romance; e Reboco – Contos. É formada em ciências biológicas pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), atriz e dramaturga na companhia de teatro marginal periférico “5só”, produtora cultural na A|Borda e Coletivoz, além de idealizadora e coordenadora na Editora popular Venas Abiertas. É também, a idealizadora do primeiro Prêmio Maria Firmina de Literatura, voltado apenas para autores negros nascidos e residentes no Brasil
HERANÇA
a palavra afiada nasceu com a avó da minha avó
era uma noite de chuva e pedras
de pedras no caminho
sem a poética do Drummond
era uma noite de surra
e pedras
no cachimbo
era uma noite de unhas e peles
e peles cortadas pela navalha
da palavra afiada da avó da minha avó.
que não se calava,
- não vou!
que não calava
- não vou!
que não se calava
- não!
que não se calava
- não!
que não se calava
a palavra afiada
que ardia todas as noites
quando o suor
descia
na senzala escura
o corpo escuro
a negreza no corpo magro
a beleza do corpo negro
que mesmo açoitado pelo corpo branco
endurecido trazia conselhos
de não se calar!
o cheiro do corpo cheio
de marcas o corpo
em traças
o cheiro do copo cheio
de água
ardente é cachaça
pra aguentar
o cheiro do couro
o cheiro do couro queimando o couro
o coro
não vou!
a palavra afiada
não vou!
herdei da avó da minha avó
a navalha na carne
não vou!
me entregar.