Joe Sales
É poeta, contista, professor de Língua Portuguesa e mestre em Estudos de Linguagem. Publicou cinco livros de poemas pela Editora Penalux: Porta Estreita (2014), Ao passo das horas e outros descabimentos (2015), Criticepopular (2015), Largo do Amanhecer (2017), Pelas luas, a mesma encruza (2019) e Clandestinamente (2021) pela editora Carlini & Caniato.
todas as palavras
já ditas perderam
o fôlego
não há jornada
adiante
não há
este lamento
não instaura uma prece
pois toda palavra apartou-se
do fogo
toda palavra
quando dita
não é capaz de exercer
qualquer ato de lucidez
todas as palavras
estão destinadas
a um terrível silêncio
a um terrível engano
ao tormento
qualquer gesto lúcido
será um passo mais próximo
ao precipício
não há em meu silêncio
nenhum alcance para Deus
se há neste silêncio
certa precariedade
há no rumor de minha
repetição uma prece
não realizada
tudo que vier à tona
será indício deste rompimento
quero um poema
que seja capaz
de anular a tragédia
de minha alma
uma aposta perdida
entre gritos e outros
disparates
quero a síntese
de uma epígrafe
oferecida a uma
obra póstuma
quero um poema
parecido com as
palavras de um amante
destituído de seu amado
quero um poema
batizado pela solidão
de alguma busca
este fracasso
recém criado
a dor começa quando a palavra
não é capaz de traduzir nada que
consiga conversar.
observo o tempo. silencioso e
inteiro. qual será seu receio? sob
qual forma ele se desvelará?
a dor é opaca. tenaz. intranquila.
as palavras que sobram são suficientes
para o peito conduzir?
as palavras dissidentes conseguem
ao óbvio iludir?
não busco respostas. quero
o trajeto. quero a dor. outra dor.
as palavras se espalham
realinhando o silêncio e sua
sombra. eu quero a dor.