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Jocineide Catarina Maciel de Souza

É Quilombola Pita Canudos, possui graduação em Letras (2009) e Mestrado em Estudos Literários pela Universidade do Estado de Mato Grosso (2014). Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Estudos Literários PPGEL/UNEMAT (2021). Componente do Grupo de Pesquisa em Poesia Contemporânea de Autoria Feminina do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste do Brasil - GPFENNCO-UNIR/CNPQ. Professora de língua portuguesa, atuando como formadora no DRE/CEFAPRO em Cáceres/MT. Bolsista do Programa de Apoio à Pós-Graduação da Amazônia Legal Edital 013/CAPES. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura Brasileira, atuando principalmente nos seguintes temas: literatura mato-grossense, historiografia literária, Literatura de Autoria Feminina, literatura e ensino, letramento literário, literatura afro-brasileiras e Poéticas orais. É membra fundadora (2017) do Coletivo de Mulheres Negras de Cáceres/MT. 

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Maria Elizabete Nascimento de Oliveira

É Doutora em Estudos Literários pela Universidade do Estado de Mato Grosso/UNEMAT. Livros publicados: Educação Ambiental e Manoel de Barros: diálogos poéticos. São Paulo: Paulinas (2012); Asas do inaudível em luzes de vaga-lume. Cuiabá/MT: Carlini & Caniato (2019), Sinfonia de Letras: acordes literários com Dunga Rodrigues. Paraná: Appris/2021; Participação em diversas coletâneas literárias (poesia), entre elas: Conexões Atlânticas (2020); Mulherio das Letras Portugal (2020-2021); O livro das Marias III: uma força sublime (2021). Membro do Grupo de Pesquisa: Poesia Contemporânea de Autoria Feminina do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste do Brasil - GPFENNCO-UNIR/CNPQ. Professora de língua portuguesa, atuando na Diretoria Regional de Educação/DRE-CEFAPRO em Cáceres/Mato Grosso-Brasil.

ARQUEOLOGIA POÉTICA EM NATALINO FERREIRA MENDES

Sem a pretensão de explicar o termo arqueologia, trazemos a casa poética cuidadosamente construída por Natalino Ferreira Mendes (1924-2011) onde podemos escavar artefatos que contam histórias da cultura do povo cacerense/mato-grossense e que talvez não estejam em documentos e/ou registros documentais porque arquitetada, também, com sentimentos e com emoções de um pássaro que soube sobrevoar os costumes, ambientes e modos de vida de seus antepassados, como um arqueólogo que não busca resposta, mas que deixa sentidos sobre ruínas e artefatos que compuseram a memória de nossa sociedade. Nesse sítio arqueológico decorado com poesia, generosidade e apreço, o poeta une fios literários, históricos e culturais.
Contemplar a casa Natalina é se aventurar pelos fósseis da cultura cacerense com brilhos originais, selecionados por espaços percorridos, de mãos dadas com um arqueólogo poeta que apresenta as imagens primordiais de um tempo que transpõe a lógica da razão e produz devaneios poéticos. A oferta é, portanto, movida pela lógica do amor, como diria Rubem Alves, e isto se chama poesia. Assim, Natalino poeta, Natalino educador, Natalino historiador, entre outras identidades que assumiu durante a vida, traz a linguagem do corpo. E o corpo, só entende a linguagem da poesia e, assim, se fez casa poética, abrigo, onde a cultura não morre jamais, permanece intacta protegida pelas paredes da casa original. 
Ao lançar adjetivos ao poeta, inferimos que o ser humano é a junção das várias identidades que assume durante a existência e, portanto, não é possível lê-lo, apenas, na dimensão supérflua do alicerce da casa; é necessário o passeio atento pelo porão, compreendendo que: “[...] os pensamentos do corpo não formam um sistema coeso. Divagam, flutuam. Associações livres. Ele se deleita nas peças do quebra-cabeça, isoladamente, soltas, desencaixadas” (ALVES, 2014). Com isto sendo dito, salientamos que se trata apenas de uma degustação poética sobre os fios de uma existência que se faz viva e passível de contemplação na/pela palavra. Cabe ao leitor, observar os objetos da casa e juntá-los, se quiser, ou simplesmente saborear cada um deles separadamente, no paladar de seus mistérios. Lembrando que o maior desejo da razão é dominar o objeto por meio da compreensão que, muitas vezes, engaiola a vida. No entanto, o anseio do corpo é fazer amor com seu objeto. Assim, “o corpo só pode lidar com o mundo em pequenos pedaços. É precisamente por isso que ele é sábio” (idem, p.34). Portanto, trata-se de uma construção que brinca com os elementos do mundo externo, a partir do conhecimento do interno, com uma dose generosa de memória e subjetividade. 
Ao considerar esses elementos, viajamos pelas palavras que compõem o poema Pedagogia, que apresenta tanto a organização de ensino de determinada época da história do ensino formal na cidade de Cáceres, quanto as informações e percepções do poeta a respeito da estrutura organizacional do ensino formal nessa cidade, como se vê em Pedagogia: “Nas pesquisas arqueológicas /do termo passado, /em cada camada da história /vamos descobrindo/preciosidades /ali conservadas. /Lá estão, por exemplo,/no correr do século dezenove, /duas ruas /com focos luminosos: /rua Formosa /onde funciona a escola pública /do sexo masculino, /e rua Augusta,/onde vozes infantis, /se ouvem /da escola oficial/do sexo feminino.../Assim era o ensino na cidade /de São Luiz. /A pedagogia de então /recomendava /a educação escolar /com escrupulosa separação dos sexos. /Essas escolas mais tarde /se uniram /para formar /a tradicional casa de ensino público /da nossa terra /- o Grupo Escolar Esperidião Marques”. (Pássaro vim-vim, 2010, p. 49)
Já no primeiro verso, o poeta chama atenção para a importância do revisitar a história, a fim de descobrir as preciosidades que se encontram apagadas pelo tempo, “Nas pesquisas arqueológicas do tempo passado em camada da história vamos descobrindo preciosidades ali conservadas”.
A segunda estrofe exibe a separação de gêneros que existia no início do ensino formal na cidade, bem como especificando o nome da rua em que se situavam as respectivas escolas. O poeta apresenta o nome da Rua da Escola pública do sexo masculino, Formosa e a Rua Augusta, da Escola oficial do sexo feminino, onde se ouvem vozes infantis. A reticência ao final dessa estrofe nos incita a pensar que o poeta teria algo mais a dizer sobre esta separação, bem como sobre a diferenciação entre escola pública e escola oficial. 
A terceira estrofe oferece o pensamento do poeta sobre a divisão por gênero: “A pedagogia de então recomendava a educação escolar com escrupulosa separação dos sexos”. Fator que complementa a estrofe anterior, mas que não preenche o sinal de reticência deixado pelo poeta. Nessa estrofe, Mendes evoca a memória, especialmente ao apresentar o antigo nome da cidade: “São Luiz”, que remete a Luiz Albuquerque Pereira e Cáceres, fundador da cidade. Somente tempos depois, o nome da cidade foi alterado para Cáceres.
O poeta aborda que as duas escolas se fundiram na formação da “tradicional casa de ensino público da nossa terra, recebendo a denominação de Grupo Escolar Esperidião Marques”. Se remetermos a casa ao sentido traçado por Gaston Bachelard (2005), de intimidade, de aconchego, será possível compreender que outro ensino começava a se delinear na cidade, mais justo e promissor.
Assim, sabedoras da nossa inconclusão diante da amplitude do cosmo, com a utopia de que outras cortinas se abram para dar continuidade ao espetáculo, proveniente das palavras literárias do pássaro/poeta, fechamos por ora, as cortinas. No entanto, fiquem atentos porque embora a arqueologia poética de Natalino Ferreira Mendes seja produzida num espaço local, ela ultrapassa as fronteiras e nos assegura que a casa da literatura se apresenta com portas e com janelas sempre abertas ao mundo.

 

Referências
ALVES, Rubem. Um mundo num grão de areia: o ser humano e seu universo. Campinas, São Paulo: Verus, 2008. 
BACHELARD, Gaston. A poética do espaço. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
MENDES, Natalino Ferreira. Pássaro vim – vim: poesia da terra. Cáceres-MT: Editora UNEMAT, 2010.
 

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