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J. J. Garcia 
Nasceu em Guimarães, Portugal, em 1959. Arquitecto, licenciado pela Escola Superior de Belas Artes do Porto. Sobre algumas das suas obras de Arquitectura a editora italiana Tre Lune Edizioni publicou a monografia A Tentação do Traço, em 2004. Tem publicado artigos de opinião sobre urbanismo, política local e nacional na imprensa local e regional. Publicou o romance Nuvem de Fumo, na editora Cão que Lê, em 2009. E o livro de poesia Vinte e Dois, na Poética Edições, em 2016. No prelo, com a BlueBook, o livro de poesia “O Percurso da Sombra”, que será publicado no verão de 2021.

A TENTAÇÃO DO TRAÇO

A casa faz-se pela tentação do traço...
Traço que se multiplica em
traços tímidos que arriscam,
preparando traços de certezas...
Traços imperfeitos
em busca de traçar a inatingível perfeição...
Traços que se perdem pelo caminho,
traços que se trocam por outros riscos
que assentam melhor.
Traços cor de melro
com bico amarelo,
e outros com papoilas rubras na memória...
Traços que conversam
porque a casa é um desenho em diálogo
traçado numa viagem quinhentista...
Traços de calcário,
traços de madeira escura, e de bronze...
Traços na vertical,
guardadores de mensagens
nas veias de avelã do pinho molhado de negro
num dos lados de um certo jardim.
Traço murmúrio, 
palavra por dizer, traçada pelo olhar...
Traços de chuva
numa tarde alentejana.
Traços espreguiçados, deslumbrados pela bruma marinha,
ao sul, com sabor a sal...
Traços entretidos em plano inclinado, 
à procura de planos,  
à procura de esquinas e de luz,
de recantos e recados tracejados num abraço,
porque todo o traço começa primeiro no escuro
e só depois lança âncora no branco rectangular.
Traços que constroem o sítio
pensando nele primeiro que a matéria.
Traços que dão que pensar...
Traços de angústia 
e traços de bom tempo 
que nem nos passam pela cabeça,
mas trazem na alma raízes que não desistem...
Mesmo sem querer, 
todo o traço é poesia!
Por isso, 
num tempo em que se sente desmedidamente,
o que se sente reaparece
dissolvido nos traços impossíveis de conter...
Traços que fizeram o tempo
E traços indizíveis que percorrem a alma,
invisíveis para lá do tempo
ficam suspensos, à espera do futuro...

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