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Jaqueline da Silva Oliveira 
É graduada em Letras/Inglês pela Universidade do Estado de Mato Grosso. Atualmente mestranda em Estudos Literários, também pela Universidade do Estado do Mato Grosso. Sua pesquisa consciente em comparar obras de duas escritoras africanas, a poeta angolana Alda Lara e a poeta moçambicana Noémia de Sousa, com intuito de desvelar a produção literária dessas mulheres em um período em que, tanto Angola, quanto Moçambique demostravam insatisfação com o totalitarismo implantado pelos colonos. E como estas mulheres usaram de suas vozes para denunciar e resistir a ditadura dos portugueses. Pesquisa também sobre feminismo, relações de gênero e a condição das mulheres negras na sociedade.

UM POEMA PARA DEPOIS DO ÓDIO

Liguei para Ana, mostrei-lhe uma canção, o título “Para depois do ódio”. Queria tocá-la profundamente, queria tocá-la no coração. 
Quando, enfim, terminou a canção. Ela perguntou-me: “O que é o ódio”? Confesso: não sabia o que dizer, fiquei um pouco confusa, perdida, sem resposta.
Foi quando eu olhei para um mendigo, e todas aquelas pessoas que passavam à sua volta, seguindo suas vidas como se aquele homem fosse invisível. Era o ódio. 
Olhei para o marido que agredia sua esposa. Cheia de hematomas e visivelmente ferida, seu sangue escorria pelo chão. Encontrei o ódio.
Pensei em todos aqueles que passam fome, enquanto outros compartilham suas roupas e carros luxuosos e viagens a Paris. Ali vi o ódio.
Cheguei na favela, a pobreza, a desigualdade e o medo da bala perdida. Jovens tendo suas vidas interrompidas pela violência policial. O ódio caminhava ali. 
Vi a maldade com que as pessoas tratavam os animais, como queimavam as florestas, poluíam rios e mares. Sabia que era o ódio. 
Fechei os olhos, pensei na escravidão, milhares de corpos pretos, roubados e jogados dentro de um navio. 
Capturados, perdiam sua identidade, sua cultura, demonizavam seus deuses, estupravam suas mulheres, tratavam-nos como animais, tirando-lhes a liberdade. Eu estava cara a cara com o ódio. 
Respirei fundo, pensei no holocausto, na morte de milhares de homossexuais, ciganos, negros e judeus. Isso cheirava ódio. 
Liguei a televisão, o repórter noticiava a morte de mais de mil crianças na guerra.
Nas imagens do campo de refugiados, aqueles meninos e meninas sob os escombros, haviam perdido suas famílias, estavam feridos, com medo e com fome.
Desliguei a TV, não conseguia acreditar, o ódio estava por toda parte. Não, eu não podia aceitar. Saí de casa desesperada.
Na rua, homens insultavam uma travesti, batiam-na com um cassetete. Ela caiu desacordada, ferida. O ódio também estava ali.
Corri, queria fugir, estava com medo do ódio. Ele poderia me alcançar?! Eu gritava e gritava! Aquilo precisava parar.
Foi quando olhei para o céu e o sol estava se pondo. Aquele alaranjado que pintava toda uma gigantesca imensidão azul. Ali não vi o ódio. 
Lembrei-me de Ana e, subitamente, me veio a resposta. O ódio é uma irracionalidade paralisadora. É o Amor que adoeceu gravemente. Foi quando eu orei e pedi ao universo que o amor se curasse.

© 2019 - Revista Literária Pixé.

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