Janet Zimmermann É natural de Catuípe (RS) e mora em Campo Grande (MS). Tem, publicados, dois livros de poemas: “Asas de JIZ”, Editora Life (2013) e “Pétalas Secretas”, Editora Patuá (2016), com o qual venceu, em 2017, o Prêmio Guavira de Literatura. Dentre as várias antologias que participou, destaca: “As Mulheres Poetas na Literatura Brasileira”- Volume II, coletânea em e-book, criada, organizada e divulgada pelo poeta Rubens Jardim.
PERSEVERANÇA
Para Manoel de Barros
era inútil forrar cabides, mas eu forrava. era fútil gostar das blusas da vó, mas eu as adorava e me via moça-romântica dentro delas. esquecer a vida contando as ondas dos trigais era coisa de pisciano, mas eu fazia nas horas roubadas. ficar roxa de frio pra não deixar as hortênsias, as rosas e o resto das flores sozinhas, ao relento, era doentio, mas eu só ia pra dentro quando meus braços não mais suportavam os açoites do minuano. lançar barquinhos de papel – rasurados com versos infantis – nas corredeiras dos barrancos, era anormal, mas eu os lançava comigo e meus sonhos no convés. declamar Menotti com meu velho pai antes de o dia raiar, era louco, mas nós dizíamos Juca Mulato até ficarmos roucos. esperar com a mãe o último irmão chegar da noitada, era exagero, mas eu os amava de doer corpo inteiro. eu era a marciana a quem todos olhavam torto. e eu sentia que era exercida por várias luas e que haveria sofrimento, como ainda há. mas eu sabia que encontraria, depois de mil e tantos horizontes, um poeta com a língua verde. esse duende me abriu clareiras e legalizou minha verve. naquele ontem mágico, Manoel de Barros devolveu-me a minha menina (!) e eu tive a graça de sorver com ele, num mesmo tempo, o mesmo delírio azul da mesma garça. hoje eu respiro o mesmo ar da ramaria que ele arrasta pelo chão dos doidos de flor.