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Ivens Cuiabano Scaff 
É cuiabano, nascido em 30 de junho de 1951. Graduado pela Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro tendo feito, com destaque, residência médica no Hospital da Lagoa, no Rio de Janeiro, e, na sequência, cursos de pós-graduação na área da saúde, na UFMT. Como escritor, lançou Uma maneira simples de voar, O menino órfão e o menino rei, Mil mangueiras, Kyvaverá, O amor são asas de Ícaro.

O BOLO DE ANIVERSÁRIO

Era o aniversário do bisneto. Nem precisavam pedir. Era uma tradição.  Ninguém fazia um bolo de aniversário melhor que ela. Não era uma boa cozinheira.  Viúva desde jovem. Uma renca de filhos. Todo o seu tempo dedicado à máquina de costura, sustento dela e da família. Que as promessas dos irmãos – pode contar comigo, minha irmã, você não ficar desamparada – não passaram de promessas. Não tinha mágoa. A vida não era fácil para ninguém e depois tinham as cunhadas que franziam a cara cada vez que um dos irmãos se interessava em saber como iam as coisas. E ela tinha o seu orgulho. Sua costura era perfeita na frente e no avesso. Seus filhos tinham se acostumado a dormir com o barulho da máquina como canção de ninar.


Com todas as dificuldades tinha dado certo. Reclamação nunca ouviram de sua boca. – Os outros são a sobremesa, repetia o que uma das suas clientes mais finas e sua melhor amiga, apesar das diferenças sociais, costumava dizer. Aliás o seu atelier, palavra que não conhecia, era um lugar de confidenciais. Todas as clientes se demoravam mais que o necessário nas provas. – Meu marido diz que você tem escuta clínica – dizia a esposa de um médico, o ginecologista mais conceituado da cidade. Venho a procura de um vestido novo e saio de alma nova.


E ela não servia nenhum biscoitinho, nenhum docinho. – Não tive tempo de ser prendada – dizia e não dava para notar se havia uma ponta de mágoa ou não.


Mas bolo de ameixa ela sabia fazer. Não dizia quem a ensinou. – Aprendi sozinha – disfarçava – é o meu luxo. E que bolo. O ponto alto, a cereja do bolo não era uma cereja mas a calda de ameixas que o cobria como um manto.


O bisneto entrou casa a fora perguntando se já podia convidar os vizinhos. – Está cedo, menino, com esse solão ainda vai passar mal.


Os ingredientes já estavam separados. Não precisava de seguir nenhuma receita. Já estava tudo na sua cabeça, Faz tempo.


Enfim, começaram a chegar os convidados. Na maioria a própria família. Só eles já enchiam a casa pequena. Vizinhos. Pessoas de fora só uma ou outra mãe de colegas de escola do bisneto. Poucos homens que já se instalaram no corredor aberto ao lado da cozinha onde eram abastecidos de cerveja gelada.


Rapidamente foi até a vizinha do lado buscar o bolo que tinha deixado guardado porque as crianças eram muito danadas e iam atacar o bolo antes da hora.


Quando entrou na casa, absolutamente lotada foi abrindo caminho com cuidado até a mesa onde se aglomeravam as crianças.


Surpresa. Já havia um bolo lá. A mesa forrada de salgadinhos e docinhos ostentava no seu centro um bolo de chocolate. – Foi a mãe do amigo dele, lá da escola que mandou.


As mães tentavam controlar as crianças até a hora do parabéns que não demorou.com as crianças já satisfeitas. – Vamos cortar o bolo. – Do qual você quer? O primeiro quis de chocolate, o segundo também. – Essa criançada gosta demais de chocolate – ela pensou. O bolo de chocolate foi diminuindo fatia por fatia. O bolo de ameixa continuava intacto. – Nem experimentaram – Prove meu filho está gostoso. Parecia que nem escutavam.


No meio da algazarra ela foi ficando perplexa. Não eram só as crianças. Seus filhos que viviam pedindo que ela fizesse o bolo também não encostaram nele.


Ela sempre foi muito contida e ninguém notou o sentimento que lhe ia por dentro. Mas estava difícil represar. Olhou em volta procurando para onde poderia fugir. Mas era impossível. Todos os cômodos da casa incluindo o banheiro estavam indisponíveis.
Pela primeira vez iam vê-la desabar.


De repente uma gritaria vinda da rua. Todos se atropelaram para a porta da casa. – O que aconteceu? – O bisneto quase tinha sido atropelado. – Esses motoristas são uns loucos.


Ela se precipitou sobre o menino, agarrou-o com força e o cobriu de lágrimas.

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