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Isabel Cintra  
Paulista de São Joaquim da Barra - SP - Brasil, Isabel Cintra acredita no poder dos livros em mudar pessoas bem como a importância da representatividade estar presente em sua escrita. É autora de Bem-vindo à cidade, Lisboa 2016, participou da I Antologia Internacional do Mulherio das Letras – Contos e Poesias , IV Sarau da Paz - Ausburg 2018 e com o conto Corvo-Correio, esteve entre os premiados do Prêmio Off Flip de Literatura 2017 (Paraty - RJ). Atualmente vive em Estocolmo-Suécia.

RETRATO

Ah... se eu pudesse voltar os anos. Pra muita coisa não teria atentado, teria feito o certo logo de uma vez. Pois o certo era te ter pedido em casamento ali mesmo, naquela barraquinha de cachorro quente, onde costumávamos comer no horário de almoço da Fábrica. Você sempre tão linda e, ainda hoje, igual em beleza. Me atrevo a dizer que com o passar dos anos ganhaste um tom de pele ainda mais viçoso, um quê de mulher autêntica, sensual, atenta. Quando me perco no amontoado de fotos da tua rede social, meu Deus! Vejo que continuas irresistível, mulher! Engraçado pensar nisso tudo agora, depois de mais de trinta anos. Estás casada, com filhos... já passei pelo divórcio e vivo um relacionamento que parece déjà vu do primeiro.


Naquela vez, no cinema, foi quando percebi que te amava mais que tudo. Senti o calor das suas mãos sob as minhas mãos trêmulas, respirei o ar do teu sorriso. Meu olhar mergulhou no teu. E nos beijamos, e nos beijamos, e nos beijamos...foi naquele momento que te eternizaste em mim e, mais tarde, à saída da matinê, na lente de um inesperado fotógrafo.


Eu te queria, mulher! Com toda a tua cor, com toda a tua beleza incomum, com toda a tua sensualidade invulgar, eu te queria inteira. Queria nossos corpos num só, queria filhos mestiços. Queria uma vida completa contigo. Como pude subestimar um amor tão grande?! Como me submeti aos preconceitos dos meus pais de pele branca? Como dei importância à vizinhança bisbilhoteira que veio às janelas espiar o nosso primeiro passeio de mãos dadas? Qual a importância dos “amigos” que me rechaçaram? E como – tonto, um medroso de merda – pude te deixar partir para longe de mim?


Hoje, eu sei que abri mão do encontro raro. Do único amor verdadeiro que ainda trago guardado no peito, e num retrato antigo. Em preto e branco.

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