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Helder Thiago Maia
Professor do Programa de Pós-Graduação em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa da Universidade de São Paulo. Professor substituto da Universidade de São Paulo. Bolsista Pós-Doutorado FAPESP (2019-atual). Doutorado em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense (2014-2018). Mestrado em Literatura Hispano-Americana pela Universidade Federal Fluminense (2012-2014). Graduação em Letras Vernáculas e Espanhol pela Universidade Federal da Bahia (2011) e Direito pela Universidade Católica do Salvador (2006). Intercâmbio na Universidade Buenos Aires (2010/2011). É pesquisador do grupo NuCuS (UFBA) e pesquisador associado da Red LIESS (Espanha). 

O LUGAR DE O MENINO DE GOUVEIA NA LITERATURA HOMOERÓTICA BRASILEIRA

A presença homoerótica na literatura brasileira é na verdade muito anterior ao conto de Capadócio Maluco e às publicações de O Rio Nu, e remete a obras pornográficas, como Saturnino, porteiro dos frades bentos (1842), Serões do Convento (1862), a obras naturalistas, como Um homem gasto (1885), mas também a obras românticas e realistas, de autores como Joaquim Manoel de Macedo, Machado de Assis, Aluísio Azevedo, Adolfo Caminha, João do Rio, João Luso, Maria Firmina dos Reis, Luís Gama e outres. Apesar desse equívoco classificatório, é inegável a importância e o pioneirismo do texto para a Literatura LGBTQ+ brasileira.
O conto foi originalmente publicado como um pequeno livreto pela editora Cupido e Companhia, ligada ao jornal O Rio Nu, em uma coleção intitulada de Contos Rápidos, sendo o sexto de uma série de dezesseis publicações eróticas que vinham acompanhadas de gravuras que materializavam as cenas libidinosas descritas. A coleção Contos Rápidos, de acordo com a edição 1596, de 23 de maio de 1914. era anunciada da seguinte forma: “Todos esses contos, que são escriptos em linguagem ultra livre, contendo uma gravura cada um, narram as mais pittorescas scenas de amor para todo os paladares”.
Publicado com grande curiosidade, uma vez que foi anunciado como “em preparação” ao longo de pelo menos quatro edições, sendo colocado à venda a partir da edição 1581, de 7 de fevereiro de 1914. O menino do Gouveia era anunciado como “Narração minuciosa da vida de um pequeno que caiu nas unhas do Gouveia”, tendo atingido, segundo o jornal, grande sucesso de vendas. Apesar disso, o conto hoje só é conhecido porque foi guardado, pelos funcionários da Biblioteca Nacional, por conta de sua temática, na Coleção Inferno. Esta coleção, organizada no final do século XIX, abrigava textos que eram considerados “proibidos” por questões morais, religiosas e/ou políticas. Este fato garantiu que a obra não fosse perdida, os outros quinze contos que compõe a coleção Contos Rápidos, no entanto, foram perdidos.
Narrado por Capadócio Maluco, pseudônimo e personagem de O Rio Nu, e por Bembem, o menino do Gouveia, a história nos conta principalmente a vida de Bembem e o seu encontro erótico com o Gouveia. Assim, enquanto masturba o parceiro, Bembem relata-nos como se tornou um “puto matriculado”, um prostituto, no Largo do Rocio, recuperando assim a sua infância, e a expulsão da casa familiar, e o encontro com o Gouveia, nos arredores da atual Praça Tiradentes, no Rio de Janeiro. Segundo novas pesquisas (COSTA, 2020), a lenda em torno de o Gouveia, como homem interessado em sexo anal, se originou de uma história real noticiada em 1906, em O Paiz.
O conto foi recentemente republicado pela editora O Sexo da Palavra, que também reeditou Um homem gasto (1885), e segue ainda como fonte inesgotável de estudos para a literatura brasileira e para a literatura LGBTQ+.

Referências

COSTA, Valmir. O menino do Gouveia: a história real que inspirou o primeiro conto homoerótico brasileiro de 1914. Revista Projeto História, v. 69, 2020.
MAIA, Helder Thiago. Cine[mão]: espaços e subjetividades darkroom. Salvador: Devires, 2018.
MALUCO, Capadócio. O menino do Gouveia. Rio de Janeiro: Editora Cupido & Companhia, 1914.

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